Observatório Internacional do Direito à Cidade
http://www.oidc.org.br/oidc/index.php
Instituto Pólis
http://www.polis.org.br/tematicas8.asp?cd_camada1=8&cd_camada3=49&cd_camada2=132
Prof. Dra. Rita Velloso
Doutora em Filosofia/UFMG
Prof. Adjunto III/PUC Minas
Este blog se destina à divulgação de sítios, textos, conteúdos que dão suporte às disciplinas de Projeto, História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo no curso de Arquitetura e Urbanismo na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais em Belo Horizonte.
Wednesday, July 25, 2007
bibliografia economia solidária
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1. http://www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_24g.pdf
2.http://www.milenio.com.br/mance/fsm3.htm
3.http://www.polis.org.br/tematicas8.asp?cd_camada1=8&cd_camada3=49&cd_camada2=132
4. http://fbes.org.br/
5. http://www.ecosol.org.br/
6.http://www.itcp.usp.br/?q=taxonomy/term/38
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5. http://www.ecosol.org.br/
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políticas públicas
O Repto da Proteção
Carlos Vogt
I
Políticas públicas compensatórias e de emancipação são necessárias e indispensáveis em qualquer país, sobretudo naqueles, como o Brasil, que receberam uma herança poderosa de problemas sociais resultantes da longuíssima duração de uma estrutura econômica baseada no trabalho escravo.
Uma das marcas da sociedade brasileira, decorrente dos tempos coloniais e, em especial, dessa estrutura econômica escravista, que se estendeu até fins do século XIX, é a aversão das classes dominantes ao trabalho e, mais especificamente, ao trabalho manual. O binômio escravidão/latifúndio engendrou a predominância da vida rural, uma "monarquia tutelar", do ponto de vista político, uma economia, além de escravista, monocultora e um ethos social fundado na cordialidade.
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936, depois de Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freyre, consolida entre nós a abertura do grande ciclo de busca intelectual das razões e das causas econômicas, políticas e culturais responsáveis pelo insucesso do Brasil, se comparado a grandes nações, como os Estados Unidos. A herança ibérica que conformou o nosso caráter, contrastando uma ética da aventura, a "plasticidade social do português" que permitiu uma interação intensa entre o colonizador e o colonizado, são aspectos fundamentais da cultura brasileira e do sentimento poderoso de insatisfação que germina no país em relação aos destinos da República. Levam, em conseqüência, a todo um esforço de compreensão histórico-social das raízes de um malogro, que se contrapõe à ilusão de modernidade e de contemporaneidade internacional que se segue à Abolição da Escravatura em 1888 e à Proclamação da República, no ano seguinte.
Abre-se, assim, na história do país, um ciclo de estudos voltado para a nossa formação, incluindo aí aqueles traços próprios da formação cultural portuguesa e que permanecem essenciais para a interpretação da formação da cultura brasileira.
São inúmeras as obras que incluem em seu próprio título o termo formação e todas elas, até hoje, de leitura indispensável para o estudo e o entendimento da história e da sociedade brasileiras. Em ordem cronológica: Casa Grande & Senzala: formação da família patriarcal brasileira (1933), de Gilberto Freyre; Formação do Brasil contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr.; Formação histórica de São Paulo (de comunidade a metrópole) (1954), de Richard Morse; Formação da literatura brasileira (1957), de Antônio Cândido; Formação econômica do Brasil (1958), de Celso Furtado; Os donos do poder: formação do patriarcado nacional (1959), de Raimundo Faoro; Formação histórica do Brasil (1962), de Nelson Wernek Sodré; Formação política do Brasil (1967), de Paula Beiguelman; A formação do federalismo no Brasil (1961), de Oliveira Torres.
Sob diferentes pontos de vista, este esforço intelectual de "ajustes de contas" com o passado, em muitos casos, resultou positivo; em muitos outros, no caso da realidade social do país, acabou sendo atropelado pela dinâmica do crescimento da população e pelo processo de pauperização crescente que com ela cresceu e se multiplicou.
O Brasil, desde a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, passou por diferentes representações no cenário das relações internacionais: aspirou integrar o conceito das nações, foi país de terceiro mundo, subdesenvolvido, país em desenvolvimento e, hoje, está entre os chamados de economia emergente, havendo mesmo aqueles mais otimistas que já o inserem, um degrau acima, na classe dos assim denominados prospectivos, seja lá o que for o que isso realmente signifique.
II
Machado de Assis, em seus romances e em suas crônicas traz várias situações em que se representam as relações sociais entre brancos senhores e negros escravos, ou libertos, que dão fina medida da qualidade e do peso dos problemas que essa sociedade escravocrata legaria para as gerações futuras do Brasil. O Brasil de consciência infeliz, melodramaticamente, penalizado, mas incapaz, na prática, de superar efetivamente as distâncias sociais geradas pela proximidade emocional e tutelar do patriarcalismo familiar que marcou e ainda marca boa parte da cultura de nossas relações individuais e institucionais.
Assim, em Helena, de 1876, cuja protagonista principal, de mesmo nome, recebe, como filha natural, uma herança do Conselheiro Vale, seu pai, com a condição de ir viver na casa onde vivem seus outros dois filhos, Úrsula e Estácio, lê-se no capítulo IV:
"Pouco havia ganho no espírito de D. Úrsula; mas a repulsa desta já não era tão viva como nos primeiros dias. Estácio cedeu de todo, e era fácil; seu coração tendia para ela, mais que nenhum outro. Não cedeu, porém, sem alguma hesitação e dúvida. A flexibilidade do espírito da irmã afigurou-se-lhe a princípio mais calculada que espontânea. Mas foi impressão que passou. Dos próprios escravos não obteve Helena desde logo a simpatia e boa vontade; esses pautavam os sentimentos pelos de D. Úrsula. Servos de uma família, viam com desafeto e ciúme a parenta nova, ali trazida por um ato de generosidade. Mas também a estes venceu o tempo. Um só de tantos pareceu vê-la desde o princípio com olhos amigos; era um rapaz de 16 anos, chamado Vicente, cria da casa e particularmente estimado do conselheiro. Talvez esta última circunstância o ligou desde logo à filha do seu senhor. Despida de interesse, porque a esperança da liberdade, se a podia haver era precária e remota, a afeição de Vicente não era menos viva e sincera; faltando-lhe os gozos próprios do afeto, - a familiaridade e o contacto, - condenado a viver da contemplação e da memória, a não beijar sequer a mão que o abençoava, limitado e distanciado pelos costumes, pelo respeito e pelos instintos, Vicente foi, não obstante, um fiel servidor de Helena, seu advogado convicto nos julgamentos da senzala."
Em Iaiá Garcia, de 1878, logo no Capítulo I, o escravo liberto Raimundo nos é apresentado como fazendo parte da família do viúvo Luís Garcia, integrado afetivamente nas relações com a sinhá moça Lina, a Iaiá Garcia do título do romance, e atuando, nas palavras do narrador "como um espírito externo de seu senhor; pensava por este e refletia-lhe o pensamento interior, em todas as suas ações, não menos silenciosas que pontuais."
Luís Garcia, por temperamento e escolha era calado, sério, reflexivo e ponderado; Raimundo, por caráter, era bom e dedicado e, por condições, servil e prestativo, tendo como que interiorizado o seu papel numa relação de mando sem necessidade de que o outro, senhor, vivesse a enunciá-la no dia-a-dia de sua convivência:
"Luís Garcia não dava ordem nenhuma; tinha tudo à hora e no lugar competente. Raimundo, posto fosse o único servidor da casa, sobrava-lhe tempo, à tarde, para conversar com o antigo senhor, no jardinete, enquanto a noite vinha caindo."
Já em Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1880, a visão de além túmulo que tem de si mesmo o narrador é mais crua e mais direta quando contemplada à luz de seus relacionamentos, ainda criança, com os escravos da casa, de um modo geral, e com o moleque Prudêncio, em particular:
"Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, - algumas vezes gemendo, - mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um -"ai, nhonhô!" - ao que eu retorquia: - "Cala a boca, besta!""
Em Dom Casmurro, de 1899, o narrador-personagem Bentinho numa das visitas do amigo Escobar à sua casa em Mata-Cavalos, o mesmo amigo suspeito da traição histórica, que nunca se desvendou, com a meiga e prática Capitu, mostra-se de corpo inteiro com a roupagem da autoridade indiferente ou da indiferença autoritária que também constituiu o rol de predicados das relações entre senhores e escravos no Brasil do século XIX. Além disso, mostra, na mesma cena, a propósito do binômio roça/cidade, tema da conversação entre os dois, a ideologia de fundo que subjaz à oposição trabalho/riqueza, em que um é visto como coisa de negros e escravos e o outro de brancos senhores.
Quer dizer, o trabalho é vergonha e o ócio é nobreza, embora o desfrute do segundo não seja possível, para os brancos, sem a rude e triste aspereza das condições em que se faz o primeiro.
"[...] E não contávamos voltar à roça?
- Não, agora não voltamos mais. Olhe, aquele preto que ali vai passando, é de lá. Tomás!
- Nhonhô!
Estávamos na horta da minha casa, e o preto andava em serviço; chegou-se a nós e esperou.
- É casado, disse eu para Escobar. Maria onde está?
- Está socando milho, sim, senhor.
- Você ainda se lembra da roça, Tomás?
- Alembra, sim, senhor.
- Bem, vá-se embora.
Mostrei outro, mais outro, e ainda outro, este Pedro, aquele José, aquele outro Damião...
- Todas as letras do alfabeto, interrompeu Escobar.
Com efeito, eram diferentes letras, e só então reparei nisto; apontei ainda outros escravos, alguns com os mesmos nomes, distinguindo-se por um apelido, ou da pessoa, como João Fulo, Maria Gorda, ou de nação como Pedro Benguela, Antônio Moçambique...
- E estão todos aqui em casa? perguntou ele.
- Não, alguns andam ganhando na rua, outros estão alugados.
Não era possível ter todos em casa. Nem são todos os da roça; a maior parte ficou lá."
No livro de crônicas Bons dias, duas delas, ambas de 1888, uma do dia 19 de maio e outra do dia 26 de junho, registraram, com a fina ironia que é própria do autor e com o cinismo oportunista característico de muitos de seus personagens, duas situações reveladoras do ethos dos senhores no day after do ato legal da abolição.
Na primeira, do dia 19 de maio, seis depois da promulgação pela princesa Isabel da Lei Áurea, o cronista nela representado, apresenta-se como um profeta post factum e vangloria-se, para efeito de suas aspirações políticas, de ter-se antecipado ao 13 de maio alforriando "um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos mais ou menos."
De maneira sinceramente hipócrita relata ainda, explicando seu gesto pela causa final de seus interesses pessoais e estes, pelas razões eficientes da classe social a que pertence:
"O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu."
Na outra, a do dia 26 de junho transcorridos mais de um mês da abolição, o nosso cronista fictício arquiteta agora maneiras de tirar proveito econômico e não apenas político da nova situação.
Como um Tchitchikof dos trópicos trata de comprar, tal qual no romance de Gogol, Almas mortas, no caso, escravos libertos, com documentos datados de antes do 13 de maio e, assim, poder "vendê-los" ao poder público para recuperação das "perdas" sofridas com a abolição.
"Suponha o leitor que possuía duzentos escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a lei de 13 de maio. Chegava eu ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe:
- Os seus libertos ficaram todos?
- Metade só; ficaram cem. Os outros cem dispersaram-se; consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua.
- Quer o senhor vender-mos?
Espanto do leitor; eu, explicando:
- Vender-mos todos, tanto os que ficaram, como os que fugiram.
O leitor assombrado:
- Mas, senhor, que interesse pode ter o senhor...
- Não lhe importe isso. Vende-mos?
- Libertos não se vendem.
- É verdade, mas a escritura de venda terá a data de 29 de abril; nesse caso, não foi o senhor que perdeu os escravos, fui eu. Os preços marcados na escritura serão os da tabela da lei de 1885; mas eu realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um."
III
Tomando como referência o quadro que esses excertos desenham não é excessivo pensar que há mais acertos do que erros, no que diz respeito à população negra brasileira, em medidas como as que contemplam cotas nas universidades ou ressarcimentos, por perdas históricas, para comunidades remanescentes de quilombos.
Durante alguns anos, desenvolvi, juntamente com Peter Fry e com Robert Slenes, um trabalho de pesquisa com a comunidade negra do Cafundó, no município de Salto de Pirapora, na região de Sorocaba.
Publicamos, em 1996, um livro Cafundó - a África no Brasil (Cia. das Letras, editora da Unicamp, São Paulo/Campinas) com os resultados dessa pesquisa, focando a análise e a interpretação das questões sociais, culturais e políticas da comunidade no uso ritual, mas cotidiano, da "língua africana", a cupópia, característica das relações entre os seus membros e destes com a sociedade envolvente.
Participei do esforço de várias entidades, também da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo e do ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo - no sentido de oferecer laudos técnicos que permitissem reconhecer no Cafundó uma comunidade legítima e legalmente remanescente de antigos quilombos, tomando-se para o termo, como escreveu Joel Rufino dos Santos, da Fundação Cultural Palmares, "uma definição larga e elementar: [...] aglomerados rurais de produtores livres, com maioria de negros, instalados há cem anos ou mais, por ocupação espontânea ou doação senhorial."
O Cafundó cabe inteiramente no conceito de quilombo, assim estendido.
Não sei se cabe, contudo, na letra da lei que se idealiza mas não se conforma com a legitimidade de uma aspiração histórica a que é mais do que urgente fazer justiça.
Como o Cafundó de Salto de Pirapora há outros tantos, negros e brancos, não só nas profundezas do Brasil profundo mas aí mesmo nas franjas horizontais e verticais das grandes cidades.
Políticas públicas de proteção social são cada vez mais imprescindíveis às ações dos governos em seus diferentes níveis para que o Estado não perca de vista a responsabilidade cívica e a obrigação ética de formar cidadãos capazes de produzir e reproduzir eles próprios, no domínio de suas relações individuais, pessoais e sociais, a presença e a força dessa responsabilidade.
Carlos Vogt
I
Políticas públicas compensatórias e de emancipação são necessárias e indispensáveis em qualquer país, sobretudo naqueles, como o Brasil, que receberam uma herança poderosa de problemas sociais resultantes da longuíssima duração de uma estrutura econômica baseada no trabalho escravo.
Uma das marcas da sociedade brasileira, decorrente dos tempos coloniais e, em especial, dessa estrutura econômica escravista, que se estendeu até fins do século XIX, é a aversão das classes dominantes ao trabalho e, mais especificamente, ao trabalho manual. O binômio escravidão/latifúndio engendrou a predominância da vida rural, uma "monarquia tutelar", do ponto de vista político, uma economia, além de escravista, monocultora e um ethos social fundado na cordialidade.
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, publicado em 1936, depois de Casa Grande e Senzala (1933) de Gilberto Freyre, consolida entre nós a abertura do grande ciclo de busca intelectual das razões e das causas econômicas, políticas e culturais responsáveis pelo insucesso do Brasil, se comparado a grandes nações, como os Estados Unidos. A herança ibérica que conformou o nosso caráter, contrastando uma ética da aventura, a "plasticidade social do português" que permitiu uma interação intensa entre o colonizador e o colonizado, são aspectos fundamentais da cultura brasileira e do sentimento poderoso de insatisfação que germina no país em relação aos destinos da República. Levam, em conseqüência, a todo um esforço de compreensão histórico-social das raízes de um malogro, que se contrapõe à ilusão de modernidade e de contemporaneidade internacional que se segue à Abolição da Escravatura em 1888 e à Proclamação da República, no ano seguinte.
Abre-se, assim, na história do país, um ciclo de estudos voltado para a nossa formação, incluindo aí aqueles traços próprios da formação cultural portuguesa e que permanecem essenciais para a interpretação da formação da cultura brasileira.
São inúmeras as obras que incluem em seu próprio título o termo formação e todas elas, até hoje, de leitura indispensável para o estudo e o entendimento da história e da sociedade brasileiras. Em ordem cronológica: Casa Grande & Senzala: formação da família patriarcal brasileira (1933), de Gilberto Freyre; Formação do Brasil contemporâneo (1942), de Caio Prado Jr.; Formação histórica de São Paulo (de comunidade a metrópole) (1954), de Richard Morse; Formação da literatura brasileira (1957), de Antônio Cândido; Formação econômica do Brasil (1958), de Celso Furtado; Os donos do poder: formação do patriarcado nacional (1959), de Raimundo Faoro; Formação histórica do Brasil (1962), de Nelson Wernek Sodré; Formação política do Brasil (1967), de Paula Beiguelman; A formação do federalismo no Brasil (1961), de Oliveira Torres.
Sob diferentes pontos de vista, este esforço intelectual de "ajustes de contas" com o passado, em muitos casos, resultou positivo; em muitos outros, no caso da realidade social do país, acabou sendo atropelado pela dinâmica do crescimento da população e pelo processo de pauperização crescente que com ela cresceu e se multiplicou.
O Brasil, desde a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, passou por diferentes representações no cenário das relações internacionais: aspirou integrar o conceito das nações, foi país de terceiro mundo, subdesenvolvido, país em desenvolvimento e, hoje, está entre os chamados de economia emergente, havendo mesmo aqueles mais otimistas que já o inserem, um degrau acima, na classe dos assim denominados prospectivos, seja lá o que for o que isso realmente signifique.
II
Machado de Assis, em seus romances e em suas crônicas traz várias situações em que se representam as relações sociais entre brancos senhores e negros escravos, ou libertos, que dão fina medida da qualidade e do peso dos problemas que essa sociedade escravocrata legaria para as gerações futuras do Brasil. O Brasil de consciência infeliz, melodramaticamente, penalizado, mas incapaz, na prática, de superar efetivamente as distâncias sociais geradas pela proximidade emocional e tutelar do patriarcalismo familiar que marcou e ainda marca boa parte da cultura de nossas relações individuais e institucionais.
Assim, em Helena, de 1876, cuja protagonista principal, de mesmo nome, recebe, como filha natural, uma herança do Conselheiro Vale, seu pai, com a condição de ir viver na casa onde vivem seus outros dois filhos, Úrsula e Estácio, lê-se no capítulo IV:
"Pouco havia ganho no espírito de D. Úrsula; mas a repulsa desta já não era tão viva como nos primeiros dias. Estácio cedeu de todo, e era fácil; seu coração tendia para ela, mais que nenhum outro. Não cedeu, porém, sem alguma hesitação e dúvida. A flexibilidade do espírito da irmã afigurou-se-lhe a princípio mais calculada que espontânea. Mas foi impressão que passou. Dos próprios escravos não obteve Helena desde logo a simpatia e boa vontade; esses pautavam os sentimentos pelos de D. Úrsula. Servos de uma família, viam com desafeto e ciúme a parenta nova, ali trazida por um ato de generosidade. Mas também a estes venceu o tempo. Um só de tantos pareceu vê-la desde o princípio com olhos amigos; era um rapaz de 16 anos, chamado Vicente, cria da casa e particularmente estimado do conselheiro. Talvez esta última circunstância o ligou desde logo à filha do seu senhor. Despida de interesse, porque a esperança da liberdade, se a podia haver era precária e remota, a afeição de Vicente não era menos viva e sincera; faltando-lhe os gozos próprios do afeto, - a familiaridade e o contacto, - condenado a viver da contemplação e da memória, a não beijar sequer a mão que o abençoava, limitado e distanciado pelos costumes, pelo respeito e pelos instintos, Vicente foi, não obstante, um fiel servidor de Helena, seu advogado convicto nos julgamentos da senzala."
Em Iaiá Garcia, de 1878, logo no Capítulo I, o escravo liberto Raimundo nos é apresentado como fazendo parte da família do viúvo Luís Garcia, integrado afetivamente nas relações com a sinhá moça Lina, a Iaiá Garcia do título do romance, e atuando, nas palavras do narrador "como um espírito externo de seu senhor; pensava por este e refletia-lhe o pensamento interior, em todas as suas ações, não menos silenciosas que pontuais."
Luís Garcia, por temperamento e escolha era calado, sério, reflexivo e ponderado; Raimundo, por caráter, era bom e dedicado e, por condições, servil e prestativo, tendo como que interiorizado o seu papel numa relação de mando sem necessidade de que o outro, senhor, vivesse a enunciá-la no dia-a-dia de sua convivência:
"Luís Garcia não dava ordem nenhuma; tinha tudo à hora e no lugar competente. Raimundo, posto fosse o único servidor da casa, sobrava-lhe tempo, à tarde, para conversar com o antigo senhor, no jardinete, enquanto a noite vinha caindo."
Já em Memórias póstumas de Brás Cubas, de 1880, a visão de além túmulo que tem de si mesmo o narrador é mais crua e mais direta quando contemplada à luz de seus relacionamentos, ainda criança, com os escravos da casa, de um modo geral, e com o moleque Prudêncio, em particular:
"Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, - algumas vezes gemendo, - mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um -"ai, nhonhô!" - ao que eu retorquia: - "Cala a boca, besta!""
Em Dom Casmurro, de 1899, o narrador-personagem Bentinho numa das visitas do amigo Escobar à sua casa em Mata-Cavalos, o mesmo amigo suspeito da traição histórica, que nunca se desvendou, com a meiga e prática Capitu, mostra-se de corpo inteiro com a roupagem da autoridade indiferente ou da indiferença autoritária que também constituiu o rol de predicados das relações entre senhores e escravos no Brasil do século XIX. Além disso, mostra, na mesma cena, a propósito do binômio roça/cidade, tema da conversação entre os dois, a ideologia de fundo que subjaz à oposição trabalho/riqueza, em que um é visto como coisa de negros e escravos e o outro de brancos senhores.
Quer dizer, o trabalho é vergonha e o ócio é nobreza, embora o desfrute do segundo não seja possível, para os brancos, sem a rude e triste aspereza das condições em que se faz o primeiro.
"[...] E não contávamos voltar à roça?
- Não, agora não voltamos mais. Olhe, aquele preto que ali vai passando, é de lá. Tomás!
- Nhonhô!
Estávamos na horta da minha casa, e o preto andava em serviço; chegou-se a nós e esperou.
- É casado, disse eu para Escobar. Maria onde está?
- Está socando milho, sim, senhor.
- Você ainda se lembra da roça, Tomás?
- Alembra, sim, senhor.
- Bem, vá-se embora.
Mostrei outro, mais outro, e ainda outro, este Pedro, aquele José, aquele outro Damião...
- Todas as letras do alfabeto, interrompeu Escobar.
Com efeito, eram diferentes letras, e só então reparei nisto; apontei ainda outros escravos, alguns com os mesmos nomes, distinguindo-se por um apelido, ou da pessoa, como João Fulo, Maria Gorda, ou de nação como Pedro Benguela, Antônio Moçambique...
- E estão todos aqui em casa? perguntou ele.
- Não, alguns andam ganhando na rua, outros estão alugados.
Não era possível ter todos em casa. Nem são todos os da roça; a maior parte ficou lá."
No livro de crônicas Bons dias, duas delas, ambas de 1888, uma do dia 19 de maio e outra do dia 26 de junho, registraram, com a fina ironia que é própria do autor e com o cinismo oportunista característico de muitos de seus personagens, duas situações reveladoras do ethos dos senhores no day after do ato legal da abolição.
Na primeira, do dia 19 de maio, seis depois da promulgação pela princesa Isabel da Lei Áurea, o cronista nela representado, apresenta-se como um profeta post factum e vangloria-se, para efeito de suas aspirações políticas, de ter-se antecipado ao 13 de maio alforriando "um molecote que tinha, pessoa de seus dezoito anos mais ou menos."
De maneira sinceramente hipócrita relata ainda, explicando seu gesto pela causa final de seus interesses pessoais e estes, pelas razões eficientes da classe social a que pertence:
"O meu plano está feito; quero ser deputado, e, na circular que mandarei aos meus eleitores, direi que, antes, muito antes da abolição legal, já eu, em casa, na modéstia da família, libertava um escravo, ato que comoveu a toda a gente que dele teve notícia; que esse escravo tendo aprendido a ler, escrever e contar, (simples suposição) é então professor de filosofia no Rio das Cobras; que os homens puros, grandes e verdadeiramente políticos, não são os que obedecem à lei, mas os que se antecipam a ela, dizendo ao escravo: és livre, antes que os poderes públicos, sempre retardatários, trôpegos e incapazes de restaurar a justiça na terra, para satisfação do céu."
Na outra, a do dia 26 de junho transcorridos mais de um mês da abolição, o nosso cronista fictício arquiteta agora maneiras de tirar proveito econômico e não apenas político da nova situação.
Como um Tchitchikof dos trópicos trata de comprar, tal qual no romance de Gogol, Almas mortas, no caso, escravos libertos, com documentos datados de antes do 13 de maio e, assim, poder "vendê-los" ao poder público para recuperação das "perdas" sofridas com a abolição.
"Suponha o leitor que possuía duzentos escravos no dia 12 de maio, e que os perdeu com a lei de 13 de maio. Chegava eu ao seu estabelecimento, e perguntava-lhe:
- Os seus libertos ficaram todos?
- Metade só; ficaram cem. Os outros cem dispersaram-se; consta-me que andam por Santo Antônio de Pádua.
- Quer o senhor vender-mos?
Espanto do leitor; eu, explicando:
- Vender-mos todos, tanto os que ficaram, como os que fugiram.
O leitor assombrado:
- Mas, senhor, que interesse pode ter o senhor...
- Não lhe importe isso. Vende-mos?
- Libertos não se vendem.
- É verdade, mas a escritura de venda terá a data de 29 de abril; nesse caso, não foi o senhor que perdeu os escravos, fui eu. Os preços marcados na escritura serão os da tabela da lei de 1885; mas eu realmente não dou mais de dez mil-réis por cada um."
III
Tomando como referência o quadro que esses excertos desenham não é excessivo pensar que há mais acertos do que erros, no que diz respeito à população negra brasileira, em medidas como as que contemplam cotas nas universidades ou ressarcimentos, por perdas históricas, para comunidades remanescentes de quilombos.
Durante alguns anos, desenvolvi, juntamente com Peter Fry e com Robert Slenes, um trabalho de pesquisa com a comunidade negra do Cafundó, no município de Salto de Pirapora, na região de Sorocaba.
Publicamos, em 1996, um livro Cafundó - a África no Brasil (Cia. das Letras, editora da Unicamp, São Paulo/Campinas) com os resultados dessa pesquisa, focando a análise e a interpretação das questões sociais, culturais e políticas da comunidade no uso ritual, mas cotidiano, da "língua africana", a cupópia, característica das relações entre os seus membros e destes com a sociedade envolvente.
Participei do esforço de várias entidades, também da Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo e do ITESP - Instituto de Terras do Estado de São Paulo - no sentido de oferecer laudos técnicos que permitissem reconhecer no Cafundó uma comunidade legítima e legalmente remanescente de antigos quilombos, tomando-se para o termo, como escreveu Joel Rufino dos Santos, da Fundação Cultural Palmares, "uma definição larga e elementar: [...] aglomerados rurais de produtores livres, com maioria de negros, instalados há cem anos ou mais, por ocupação espontânea ou doação senhorial."
O Cafundó cabe inteiramente no conceito de quilombo, assim estendido.
Não sei se cabe, contudo, na letra da lei que se idealiza mas não se conforma com a legitimidade de uma aspiração histórica a que é mais do que urgente fazer justiça.
Como o Cafundó de Salto de Pirapora há outros tantos, negros e brancos, não só nas profundezas do Brasil profundo mas aí mesmo nas franjas horizontais e verticais das grandes cidades.
Políticas públicas de proteção social são cada vez mais imprescindíveis às ações dos governos em seus diferentes níveis para que o Estado não perca de vista a responsabilidade cívica e a obrigação ética de formar cidadãos capazes de produzir e reproduzir eles próprios, no domínio de suas relações individuais, pessoais e sociais, a presença e a força dessa responsabilidade.
Squats, locais de resistência
Squats, locais de resistência
Por Florence Bouillon
Em 26 de agosto de 2005, 17 pessoas (sendo 14 crianças) morreram no incêndio de um imóvel vetusto no Boulevard Vicent-Auriol, no bairro 13 de Paris. No dia 29, outras sete falecem no incêndio de um “squat” da rua Roi-Doré (no bairro três). Todas as vítimas são originárias da África negra. O ministro do interior, Nicolas Sarkozy, anunciou sua decisão de iniciar um recenseamento e de fechar “todos os imóveis insalubres e os squatssquats considerados perigosos” da capital. Três dias depois, sob o olhar das câmeras, dezenas de famílias – na sua maioria africanas – seriam desalojadas, pelas forças de segurança, de dois grandes parisienses, situados na rua de la Tombe-Issoire (no bairro 14) e da rua de la Fraternité (bairro 19).
Elas foram provisoriamente alojadas em hotéis da região parisiense. Em seguida, no dia 16 de setembro, umas trinta pessoas foram novamente expulsas de um squat da rua du Maroc (no bairro 19). Uma parte delas acabava de ser convidada para mudar para um outro alojamento. As imagens destas desocupações podem confundir: elas permitirão salvar pessoas vulneráveis de um perigo iminente ou visam perseguir indivíduos que ameaçam a propriedade e a ordem pública? A intenção do ministro do Interior, insistindo sobre a irregularidade dos ocupantes — apesar de uma maioria entre eles ter visto de residência – alimenta as suspeitas de “parasitismo”.
O termo squatter designa uma pessoa sem casa que se instala ilegalmente em local desocupado. Ser squatter não é um estado: é uma situação. Para a maioria das pessoas a ocupação ilícita se inscreve em uma situação de moradia marcada pela precariedade. Estar squat é o fim da linha que começa no quarto mobiliado, depois na casa de familiares, em seguida no alojamento vetusto cujo aluguel é muito barato e às vezes, finalmente, na rua. Uma parte das famílias do Mali que estavam no imóvel da rua Roi-Doré, tinha acampado no cais de la Gare, e depois em Vincennes em 1991, para protestar contra sua expulsão de alojamentos insalubres. O fato confirma que é difícil romper o circulo da miséria dos sem teto. É, portanto, na problemática da exclusão do direito à moradia que deve se inscrever a compreensão do squat.
Excluídos do direito à moradia
O paralelo com as favelas que se estendiam pelas periferias das cidades durante “as jornadas revolucionárias iniciadas em 1830” vem quase que automaticamente. A favela é, como o squat, a última escala da moradia precária. Ela abriga os mais pobres, aqueles que permanecem na porta do alojamento social, que não têm sequer meios de pagar uma pensão, que não podem mais se beneficiar da solidariedade dos familiares. Nos barracos de Nanterre e nos squats de Paris, estão, em primeiro lugar os imigrantes, em sua maioria aqueles da “primeira geração”. A vida é difícil, tanto no plano material quanto psicológico. Ocupar um alojamento sem nenhum documento é habitar um ambiente muitas vezes insalubre, sem água, sem calefação e, às vezes sem eletricidade. Deve-se também suportar uma grande instabilidade quanto à permanência no local, viver angustiado e ameaçado de ser jogado, subitamente, à rua. As favelas tinham, é certo, uma esperança de vida mais longa que os squats: muitas perduraram durante anos, antes de sua erradicação nos inícios dos anos 70. Mas eram regularmente ameaçadas. Um “squat” é, geralmente, fechado ao fim de alguns meses, depois de um processo judicial acionado por seu proprietário e da intervenção das forças de segurança com autorização da autoridade policial.
O squat, portanto, diferencia-se nitidamente da favela. Apesar da ausência de números confiáveis, alguns dados disponíveis indicam que os squattersstricto sensu: há falta de moradias acessíveis às pessoas de baixo poder de compra. Ora, a “insegurança social” 1 atinge um número crescente de pessoas. Mais de 3,5 milhões de pessoas vivem na França em um patamar de pobreza. A taxa de desemprego se aproxima dos 10% da população ativa, o número de beneficiários da renda social mínima não para de crescer, e os assalariados sofrem com o crescimento maciço de empregos precários, insuficientemente remunerado para assegurar o acesso à moradia. De cada três pessoas identificadas como sem-domicilio fixo, uma dispõe de um emprego2 . E uma grande parcela dos squatters não são tão numerosos quanto foram os habitantes das favelas. O paralelo, no entanto, não deve ocultar as mudanças ocorridas na sociedade em matéria de moradia, de trabalho e de política migratória. É na confluência destes três parâmetros que se situa, na verdade, o nó explicativo da persistência de formas de moradia irregular. Diferentemente das décadas anteriores, a exclusão da habitação resulta hoje de uma inadequação entre a oferta e a demanda mais que uma insuficiência quantitativa trabalha, principalmente nos setores da construção, em restaurantes ou na agricultura.
Morar quando se dispõe de poucos recursos tornou-se, aliás, uma aposta. As sucessivas políticas de erradicação da moradia insalubre, bem como os investimentos imobiliários dos grandes grupos financeiros, reduziram consideravelmente o mercado privado de moradias de locação a bom preço, em suas diversas formas (quarto mobiliado, pensão, quarto de empregada, alojamentos criados depois da Segunda Guerra). O desaparecimento das “moradias de passagem”, cuja função era a de acolher os indivíduos pouco afortunados ou em trânsito (os trabalhadores temporários, por exemplo) não estancou a procura.
O squat resulta, em grande parte, da ausência de uma oferta compensadora. Na verdade, os lares pobres é que suportam os maiores aumentos das taxas de aluguel, que chegaram até a 80% entre 1988 e 2002, enquanto que sua renda só aumentou 30%. Nada de surpreendente, tendo em vista que a habitação social está no centro das demandas. A demanda de habitação social progrediu 22% entre 1996 e 2002, atingindo mais de um milhão por ano. Mais da metade permanece sem atendimento. As razões desta insuficiência se devem, primeiro, à construção: produzia-se entre 100 mil e 140 mil habitações sociais por ano, entre 1965 e 1975. Em 2003, chega-se, com grande dificuldade, a 60 mil, após anos ainda mais duros. A atribuição dos apartamentos também é problemática: das 500 mil habitações sociais previstas pelo Plano de Coesão Social do governo, nos próximos cinco anos, um terço é de habitações ditas “intermediárias”, inacessíveis aos pobres.
Imigrante, primeira vítima
Mas nesta corrida pela moradia, os mais desfavorecidos são, sem nenhuma dúvida, os estrangeiros, ou considerados como tais. Têm a vida mais difícil, pois são os primeiros a ser privados de moradia e de trabalho, e se acredita que sejam os responsáveis por sua situação. A política de fechamento de fronteiras iniciada nos anos 70 e o endurecimento contínuo da legislação sobre o direito de asilo criaram os “irregulares” 3 cujas condições de vida são particularmente cruéis. Os que não obtêm direito de asilo são privados de qualquer possibilidade de acesso a uma moradia como é assegurado pelo de direito comum, porque seria ilegal para um proprietário alugar-lhes um apartamento. Eles passam, então, de uma situação instável a uma outra, nas mãos de um negociante do sono que lhes extorquirá um aluguel exorbitante por um squat insalubre.
Um exemplo, entre outros: em 2001, uma família argelina com seis pessoas teve seu visto de permanência recusado pela delegacia de Bouches-du-Rhône. Em seguida, foram suspensos os auxílios que recebiam da Prefeitura, a título de proteção à infância. Beneficiando-se somente de doações de caridade, foram expulsos da pensão em que estavam. A família coabitou por alguns meses com familiares, mas as relações se degradaram.(eram 13, em uma moradia de quatro cômodos) e foi preciso partir. Instalaram-se em um pequeno apartamento vetusto do centro de Marselha, pagando 400 euros por mês, graças ao trabalho clandestino do pai, na construção civil. Quando o proprietário, pressionado pela justiça, lhes pede para sair, a família ocupa, ilegalmente, um apartamento desocupado. É expulsa algumas semanas depois e ocupa um squat. Em 2005, ainda são “ocupantes sem direito nem título”.
Reduzir o problema da inserção dos imigrantes nas habitações somente aos “sem papéis” seria, entretanto, um grave erro. Os estrangeiros são atingidos em sua totalidade, sejam detentores ou não de visto de permanência 4 . Mas não são os únicos: os franceses descendentes de imigrantes são igualmente vítimas de discriminação. Um estudo sobre a inserção de descendentes da imigração em moradia particular das classes médias demonstra que eles enfrentam dificuldades particulares, apesar de seu alto nível de diploma e renda5 . Isso atesta, se ainda era necessário, o fato da pobreza não ser a única causa das desigualdades entre “franceses” (supostos como tal) e imigrantes (qualquer que seja sua nacionalidade).
Exclusão de local de moradia e do trabalho e discriminação dos imigrantes concorrem, portanto, para colocar pessoas em situações intrincadas e produzir, conseqüentemente, a habitação ilegal. Mas apresentar o squat unicamente como uma habitação indigna é esquecer que as pessoas aí vivem com dignidade. Nos grandes imóveis coletivos, como eram aqueles que acabam de ser desocupados, a vida dos habitantes está longe da anarquia suposta por alguns.
Refúgios de hospitalidade
Nos squats mais estáveis, em particular, podemos constatar sistemas de auxílio mútuo e de solidariedade que protegem as pessoas de uma vulnerabilidade excessiva. O imóvel constitui, por outro lado, para os recém chegados, uma espécie de canal entre a sociedade de origem e o país de imigração, semelhante às favelas dos anos 70. Isto lhes permite que se beneficiem dos aprendizados efetuados por aqueles que lhes precederam. Só podemos compreender a nostalgia expressa por alguns habitantes, quando eles se encontram isolados depois de uma expulsão, se admitirmos que o squat é também um refúgio de hospitalidade.
A realidade não se limita a estes grandes squats coletivos, cuja ocupação tem um viés muitas vezes “étnico” que faz o sensacionalismo da imprensa. O squart é polimorfo: pode abrigar de uma só pessoa a dezenas delas, em um pequeno apartamento do centro, como em um terreno baldio na zona industrial de subúrbio. As condições de moradia são muito diversas: desde insalubridade total a uma habitação “média” (água e eletricidade, calefação, espaço suficiente, isolamento...). Os habitantes dos squats são múltiplos: jovens em fuga que se recusam a integrar um lar, artistas sem ateliê, “caminhantes” de passagem, ciganos não aceitos em lugar nenhum, toxicômanos sem domicílio fixo, militantes da causa libertária...
O squat tem caras, funções e usos múltiplos. Alguns vivem aí todo o tempo, outros encontram um ponto de chegada provisório. É o caso dos migrantes que atravessam a França, jovens que viajam de caminhão, de todos aqueles que, por escolha ou forçados, vivem sob a moda da mobilidade. A questão que eles nos colocam é o da inadequação das estruturas de acolhimento. Para uma parte dentre eles, o squat é preferível ao alojamento institucional tipo abrigo. A escolha, desta forma, não tem nada de irracional: o conjunto de constrangimentos que aí são impostos em termos de horários, de higiene, de abstinência etc. são tidos como infantilizantes e até mesmo como aviltantes. Viver em um squat é também escapar à assimilação a pessoas que percebemos serem mais degradantes que nós mesmos. É, em resumo, não ser considerado um “mendigo”. O squat deve ser entendido como uma aspiração à autonomia e ao “si mesmo”, como um espaço no qual é possível dizer “eu” sem ser o tempo todo ser lembrado de um estatuto de inferioridade.
Aliás, o squat favorece a mixagem social. Os imóveis de artistas e de militantes políticos, menos numerosos que os “squats da pobreza” mas que reúnem muitas dezenas de pessoas nas grandes cidades, acolhem, muitas vezes, pessoas em dificuldade: jovens errantes, famílias à espera de uma condição de asilado, migrantes empobrecidos...
Nestes ambientes cruzam-se mundos sociais que se não tivessem ali se encontrado, se ignorariam. Por outro lado, ser squatter significa, em muitos casos, viver na cidade. A recusa dos ocupantes de serem realocados para hotéis de subúrbio parisiense é primeiramente baseada no temor de uma moradia muito provisória. Mas também pode ser motivada por sua reticência em deixar um bairro no qual eles vivem há anos, onde construíram suas referências e sua sociabilidade, onde tiveram acesso a recursos e a uma “cidadania. 6 ”. A expulsão dos squatters para fora dos centros urbanos parece acabar com o “direito à cidade” dos menos favorecidos. O squat só pode ser compreendido como interface entre estas duas realidades: ele é, ao mesmo tempo, produto da exclusão e espaço de resistência e associação.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 - Robert Castel expressa com esse termo o esboroamento do Estado Social.. Ler "L’Insecurité social. Qu’est-ce que être protege ? Editora Seuil Coleção La Repubice des idées", Paris.
2 - Insee premiére, nº 824, Paris, janeiro de 2002.
3 - Ler Nathalie Ferre "La production de la ’irregularite’ em Didier Fassin", Alain Morice e Catherine Quiminal. E "Les lois de l’inhospitalité. Les politique de l’imigration à l’epreuve de sans papier", Editora La Decouverte, Paris 1997.
4 - O Insee constata que a proporção de estrangeiros entre os SDF (sem domicilio fixo) é de 29%, ou seja,quatro vezes mais elevada que no cojunto da população francesa, sendo que a pesquisa só considera os adultos francofones.
5 - Fasid em "Les discriminations à l’encontre des categoies myennes estrangeres ou percues comme estrangères sur le marché du locatif privé", na publicação Migrations études, nª 125, Paris, agosto de 2004.
6 - Sobre a questão das relações mantidas pelos ocupantes dos "squats" com a vizinhança, ver Isabelle Coutant, "Politiques du squat" Editra La Dispute, Paris, 2000.
Este texto foi publicado originalmente pelo Le Monde Diplomatique Brasil.
Por Florence Bouillon
Em 26 de agosto de 2005, 17 pessoas (sendo 14 crianças) morreram no incêndio de um imóvel vetusto no Boulevard Vicent-Auriol, no bairro 13 de Paris. No dia 29, outras sete falecem no incêndio de um “squat” da rua Roi-Doré (no bairro três). Todas as vítimas são originárias da África negra. O ministro do interior, Nicolas Sarkozy, anunciou sua decisão de iniciar um recenseamento e de fechar “todos os imóveis insalubres e os squatssquats considerados perigosos” da capital. Três dias depois, sob o olhar das câmeras, dezenas de famílias – na sua maioria africanas – seriam desalojadas, pelas forças de segurança, de dois grandes parisienses, situados na rua de la Tombe-Issoire (no bairro 14) e da rua de la Fraternité (bairro 19).
Elas foram provisoriamente alojadas em hotéis da região parisiense. Em seguida, no dia 16 de setembro, umas trinta pessoas foram novamente expulsas de um squat da rua du Maroc (no bairro 19). Uma parte delas acabava de ser convidada para mudar para um outro alojamento. As imagens destas desocupações podem confundir: elas permitirão salvar pessoas vulneráveis de um perigo iminente ou visam perseguir indivíduos que ameaçam a propriedade e a ordem pública? A intenção do ministro do Interior, insistindo sobre a irregularidade dos ocupantes — apesar de uma maioria entre eles ter visto de residência – alimenta as suspeitas de “parasitismo”.
O termo squatter designa uma pessoa sem casa que se instala ilegalmente em local desocupado. Ser squatter não é um estado: é uma situação. Para a maioria das pessoas a ocupação ilícita se inscreve em uma situação de moradia marcada pela precariedade. Estar squat é o fim da linha que começa no quarto mobiliado, depois na casa de familiares, em seguida no alojamento vetusto cujo aluguel é muito barato e às vezes, finalmente, na rua. Uma parte das famílias do Mali que estavam no imóvel da rua Roi-Doré, tinha acampado no cais de la Gare, e depois em Vincennes em 1991, para protestar contra sua expulsão de alojamentos insalubres. O fato confirma que é difícil romper o circulo da miséria dos sem teto. É, portanto, na problemática da exclusão do direito à moradia que deve se inscrever a compreensão do squat.
Excluídos do direito à moradia
O paralelo com as favelas que se estendiam pelas periferias das cidades durante “as jornadas revolucionárias iniciadas em 1830” vem quase que automaticamente. A favela é, como o squat, a última escala da moradia precária. Ela abriga os mais pobres, aqueles que permanecem na porta do alojamento social, que não têm sequer meios de pagar uma pensão, que não podem mais se beneficiar da solidariedade dos familiares. Nos barracos de Nanterre e nos squats de Paris, estão, em primeiro lugar os imigrantes, em sua maioria aqueles da “primeira geração”. A vida é difícil, tanto no plano material quanto psicológico. Ocupar um alojamento sem nenhum documento é habitar um ambiente muitas vezes insalubre, sem água, sem calefação e, às vezes sem eletricidade. Deve-se também suportar uma grande instabilidade quanto à permanência no local, viver angustiado e ameaçado de ser jogado, subitamente, à rua. As favelas tinham, é certo, uma esperança de vida mais longa que os squats: muitas perduraram durante anos, antes de sua erradicação nos inícios dos anos 70. Mas eram regularmente ameaçadas. Um “squat” é, geralmente, fechado ao fim de alguns meses, depois de um processo judicial acionado por seu proprietário e da intervenção das forças de segurança com autorização da autoridade policial.
O squat, portanto, diferencia-se nitidamente da favela. Apesar da ausência de números confiáveis, alguns dados disponíveis indicam que os squattersstricto sensu: há falta de moradias acessíveis às pessoas de baixo poder de compra. Ora, a “insegurança social” 1 atinge um número crescente de pessoas. Mais de 3,5 milhões de pessoas vivem na França em um patamar de pobreza. A taxa de desemprego se aproxima dos 10% da população ativa, o número de beneficiários da renda social mínima não para de crescer, e os assalariados sofrem com o crescimento maciço de empregos precários, insuficientemente remunerado para assegurar o acesso à moradia. De cada três pessoas identificadas como sem-domicilio fixo, uma dispõe de um emprego2 . E uma grande parcela dos squatters não são tão numerosos quanto foram os habitantes das favelas. O paralelo, no entanto, não deve ocultar as mudanças ocorridas na sociedade em matéria de moradia, de trabalho e de política migratória. É na confluência destes três parâmetros que se situa, na verdade, o nó explicativo da persistência de formas de moradia irregular. Diferentemente das décadas anteriores, a exclusão da habitação resulta hoje de uma inadequação entre a oferta e a demanda mais que uma insuficiência quantitativa trabalha, principalmente nos setores da construção, em restaurantes ou na agricultura.
Morar quando se dispõe de poucos recursos tornou-se, aliás, uma aposta. As sucessivas políticas de erradicação da moradia insalubre, bem como os investimentos imobiliários dos grandes grupos financeiros, reduziram consideravelmente o mercado privado de moradias de locação a bom preço, em suas diversas formas (quarto mobiliado, pensão, quarto de empregada, alojamentos criados depois da Segunda Guerra). O desaparecimento das “moradias de passagem”, cuja função era a de acolher os indivíduos pouco afortunados ou em trânsito (os trabalhadores temporários, por exemplo) não estancou a procura.
O squat resulta, em grande parte, da ausência de uma oferta compensadora. Na verdade, os lares pobres é que suportam os maiores aumentos das taxas de aluguel, que chegaram até a 80% entre 1988 e 2002, enquanto que sua renda só aumentou 30%. Nada de surpreendente, tendo em vista que a habitação social está no centro das demandas. A demanda de habitação social progrediu 22% entre 1996 e 2002, atingindo mais de um milhão por ano. Mais da metade permanece sem atendimento. As razões desta insuficiência se devem, primeiro, à construção: produzia-se entre 100 mil e 140 mil habitações sociais por ano, entre 1965 e 1975. Em 2003, chega-se, com grande dificuldade, a 60 mil, após anos ainda mais duros. A atribuição dos apartamentos também é problemática: das 500 mil habitações sociais previstas pelo Plano de Coesão Social do governo, nos próximos cinco anos, um terço é de habitações ditas “intermediárias”, inacessíveis aos pobres.
Imigrante, primeira vítima
Mas nesta corrida pela moradia, os mais desfavorecidos são, sem nenhuma dúvida, os estrangeiros, ou considerados como tais. Têm a vida mais difícil, pois são os primeiros a ser privados de moradia e de trabalho, e se acredita que sejam os responsáveis por sua situação. A política de fechamento de fronteiras iniciada nos anos 70 e o endurecimento contínuo da legislação sobre o direito de asilo criaram os “irregulares” 3 cujas condições de vida são particularmente cruéis. Os que não obtêm direito de asilo são privados de qualquer possibilidade de acesso a uma moradia como é assegurado pelo de direito comum, porque seria ilegal para um proprietário alugar-lhes um apartamento. Eles passam, então, de uma situação instável a uma outra, nas mãos de um negociante do sono que lhes extorquirá um aluguel exorbitante por um squat insalubre.
Um exemplo, entre outros: em 2001, uma família argelina com seis pessoas teve seu visto de permanência recusado pela delegacia de Bouches-du-Rhône. Em seguida, foram suspensos os auxílios que recebiam da Prefeitura, a título de proteção à infância. Beneficiando-se somente de doações de caridade, foram expulsos da pensão em que estavam. A família coabitou por alguns meses com familiares, mas as relações se degradaram.(eram 13, em uma moradia de quatro cômodos) e foi preciso partir. Instalaram-se em um pequeno apartamento vetusto do centro de Marselha, pagando 400 euros por mês, graças ao trabalho clandestino do pai, na construção civil. Quando o proprietário, pressionado pela justiça, lhes pede para sair, a família ocupa, ilegalmente, um apartamento desocupado. É expulsa algumas semanas depois e ocupa um squat. Em 2005, ainda são “ocupantes sem direito nem título”.
Reduzir o problema da inserção dos imigrantes nas habitações somente aos “sem papéis” seria, entretanto, um grave erro. Os estrangeiros são atingidos em sua totalidade, sejam detentores ou não de visto de permanência 4 . Mas não são os únicos: os franceses descendentes de imigrantes são igualmente vítimas de discriminação. Um estudo sobre a inserção de descendentes da imigração em moradia particular das classes médias demonstra que eles enfrentam dificuldades particulares, apesar de seu alto nível de diploma e renda5 . Isso atesta, se ainda era necessário, o fato da pobreza não ser a única causa das desigualdades entre “franceses” (supostos como tal) e imigrantes (qualquer que seja sua nacionalidade).
Exclusão de local de moradia e do trabalho e discriminação dos imigrantes concorrem, portanto, para colocar pessoas em situações intrincadas e produzir, conseqüentemente, a habitação ilegal. Mas apresentar o squat unicamente como uma habitação indigna é esquecer que as pessoas aí vivem com dignidade. Nos grandes imóveis coletivos, como eram aqueles que acabam de ser desocupados, a vida dos habitantes está longe da anarquia suposta por alguns.
Refúgios de hospitalidade
Nos squats mais estáveis, em particular, podemos constatar sistemas de auxílio mútuo e de solidariedade que protegem as pessoas de uma vulnerabilidade excessiva. O imóvel constitui, por outro lado, para os recém chegados, uma espécie de canal entre a sociedade de origem e o país de imigração, semelhante às favelas dos anos 70. Isto lhes permite que se beneficiem dos aprendizados efetuados por aqueles que lhes precederam. Só podemos compreender a nostalgia expressa por alguns habitantes, quando eles se encontram isolados depois de uma expulsão, se admitirmos que o squat é também um refúgio de hospitalidade.
A realidade não se limita a estes grandes squats coletivos, cuja ocupação tem um viés muitas vezes “étnico” que faz o sensacionalismo da imprensa. O squart é polimorfo: pode abrigar de uma só pessoa a dezenas delas, em um pequeno apartamento do centro, como em um terreno baldio na zona industrial de subúrbio. As condições de moradia são muito diversas: desde insalubridade total a uma habitação “média” (água e eletricidade, calefação, espaço suficiente, isolamento...). Os habitantes dos squats são múltiplos: jovens em fuga que se recusam a integrar um lar, artistas sem ateliê, “caminhantes” de passagem, ciganos não aceitos em lugar nenhum, toxicômanos sem domicílio fixo, militantes da causa libertária...
O squat tem caras, funções e usos múltiplos. Alguns vivem aí todo o tempo, outros encontram um ponto de chegada provisório. É o caso dos migrantes que atravessam a França, jovens que viajam de caminhão, de todos aqueles que, por escolha ou forçados, vivem sob a moda da mobilidade. A questão que eles nos colocam é o da inadequação das estruturas de acolhimento. Para uma parte dentre eles, o squat é preferível ao alojamento institucional tipo abrigo. A escolha, desta forma, não tem nada de irracional: o conjunto de constrangimentos que aí são impostos em termos de horários, de higiene, de abstinência etc. são tidos como infantilizantes e até mesmo como aviltantes. Viver em um squat é também escapar à assimilação a pessoas que percebemos serem mais degradantes que nós mesmos. É, em resumo, não ser considerado um “mendigo”. O squat deve ser entendido como uma aspiração à autonomia e ao “si mesmo”, como um espaço no qual é possível dizer “eu” sem ser o tempo todo ser lembrado de um estatuto de inferioridade.
Aliás, o squat favorece a mixagem social. Os imóveis de artistas e de militantes políticos, menos numerosos que os “squats da pobreza” mas que reúnem muitas dezenas de pessoas nas grandes cidades, acolhem, muitas vezes, pessoas em dificuldade: jovens errantes, famílias à espera de uma condição de asilado, migrantes empobrecidos...
Nestes ambientes cruzam-se mundos sociais que se não tivessem ali se encontrado, se ignorariam. Por outro lado, ser squatter significa, em muitos casos, viver na cidade. A recusa dos ocupantes de serem realocados para hotéis de subúrbio parisiense é primeiramente baseada no temor de uma moradia muito provisória. Mas também pode ser motivada por sua reticência em deixar um bairro no qual eles vivem há anos, onde construíram suas referências e sua sociabilidade, onde tiveram acesso a recursos e a uma “cidadania. 6 ”. A expulsão dos squatters para fora dos centros urbanos parece acabar com o “direito à cidade” dos menos favorecidos. O squat só pode ser compreendido como interface entre estas duas realidades: ele é, ao mesmo tempo, produto da exclusão e espaço de resistência e associação.
(Trad.: Celeste Marcondes)
1 - Robert Castel expressa com esse termo o esboroamento do Estado Social.. Ler "L’Insecurité social. Qu’est-ce que être protege ? Editora Seuil Coleção La Repubice des idées", Paris.
2 - Insee premiére, nº 824, Paris, janeiro de 2002.
3 - Ler Nathalie Ferre "La production de la ’irregularite’ em Didier Fassin", Alain Morice e Catherine Quiminal. E "Les lois de l’inhospitalité. Les politique de l’imigration à l’epreuve de sans papier", Editora La Decouverte, Paris 1997.
4 - O Insee constata que a proporção de estrangeiros entre os SDF (sem domicilio fixo) é de 29%, ou seja,quatro vezes mais elevada que no cojunto da população francesa, sendo que a pesquisa só considera os adultos francofones.
5 - Fasid em "Les discriminations à l’encontre des categoies myennes estrangeres ou percues comme estrangères sur le marché du locatif privé", na publicação Migrations études, nª 125, Paris, agosto de 2004.
6 - Sobre a questão das relações mantidas pelos ocupantes dos "squats" com a vizinhança, ver Isabelle Coutant, "Politiques du squat" Editra La Dispute, Paris, 2000.
Este texto foi publicado originalmente pelo Le Monde Diplomatique Brasil.
Luiz César de Queiroz Ribeiro
A habitação nas cidades inacabadas
Por Luiz César de Queiroz Ribeiro
Difusão da propriedade privada e reprodução da precariedade do habitat urbano
O tema da habitação no Brasil é uma das fortes expressões do caráter contraditório dos processos de urbanização e modernização do Brasil em curso desde a segunda metade do século XX. São conhecidos os números que descrevem os traços das nossas cidades inacabadas pela existência de grandes parcelas da população vivendo em favelas e periferias urbanas precariamente equipadas de serviços. No entanto, outro dado nos chama atenção. Trata-se do que mostra a difusão da propriedade da moradia, chegando alcançar 74% do conjunto da população e apenas 15% vive em moradias alugadas. São em sua grande maioria domicílios permanentes que substituíram ao longo deste período as moradias improvisadas que marcaram o início do crescimento das nossas cidades. Nas regiões Sudeste e Sul, as mais urbanizadas do país, chega-se a 87% em média de moradias permanentes.
Evidenciam, sem dúvida nenhuma, a melhoria das condições urbanas de vida, cujo outro lado, porém, é o aumento do parque domiciliar atendido pelos serviços básicos de saneamento: água, esgoto e coleta de lixo. No conjunto do país, este último serviço alcança, com efeito, 86% das moradias e nas regiões Sul e Sudeste estão perto de alcançar a universalização – 93,9% e 86,8% . O mesmo pode ser observado quanto ao serviço de distribuição de água por rede geral. Já no esgotamento sanitário, o Brasil como todo apresenta ainda taxas de atendimento incompatíveis com o seu grau de industrialização e urbanização, pois apenas 48% dos domicílios são servidos por rede coletora e mesmo na região Sudeste, onde estão localizadas as maiores metrópoles criadas com a industrialização, apenas 76% dos domicílios têm o acesso a este essencial serviço.
Na região Sul a situação ainda é pior, pois apenas 4 em cada 10 domicílios têm esgotamento sanitário. A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que esses números não conseguem revelar o fato da rede de esgotamento sanitário não estar articulada a um verdadeiro sistema de tratamento e destinação do esgoto sanitário, constituindo um serviço de saneamento ambiental. Em muitos casos, com efeito, sobretudo nas periferias metropolitanas, o esgoto é despejado em rios e lagoas situados no interior da trama urbana, cuja conseqüência dramática é o seu retorno às casas em momentos de enchentes. Acrescente-se que a modalidade de esgotamento por fossa séptica, considerada como adequada, em espaços de alta densidade de ocupação do solo urbano tem significado a ameaça à degradação do lençol freático.
A conclusão é que a difusão da propriedade privada da moradia no Brasil e em especial nas regiões urbanas ocorre simultaneamente com a precarização do habitat urbano. Na raiz desta contradição encontramos as particularidades do processo de urbanização brasileiro, caracterizado pela expansão das periferias metropolitanas em razão de quatro fatores: acelerado movimento de urbanização via migração campo-cidade, baixo preço da terra nas fronteiras das antigas cidades que passaram a ser o centro da industrialização, a existência da dissociação entre salário e custo de reprodução social da força de trabalho e, finalmente, a ausência da intervenção regulatória e planejadora do Estado. Estamos atravessando momento de esgotamento deste modelo de urbanização, em razão das transformações do mercado de trabalho e a expansão do emprego informal, precário, e de baixa remuneração, que exige a proximidade da moradia dos locais possíveis da ocupação e da renda, do aumento do preço relativo dos transportes e da valorização das terras mais acessíveis da periferia metropolitana.
A expressão desta crise é o crescimento do habitat urbano precário, na forma da expansão e adensamento das moradias em favelas nas áreas próximas ou acessíveis aos núcleos nos quais a renda e a riqueza estão concentradas. Adensamento da ocupação do território e adensamento do uso da moradia. Não é por acaso que estamos assistindo à volta de doenças epidêmicas que já tinham sido controladas anteriormente, como é o caso da dengue. Reforma Urbana e Reforma Sanitária são hoje dois lados da mesma moeda, qual seja, a via para a constituição das condições coletivas de vida que correspondam às necessidades geradas por uma sociedade que concentrou 80% da sua população em cidades.
Luiz César de Queiroz Ribeiro é professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da UFRJ e coordenador do Observatório das Metrópoles.
Por Luiz César de Queiroz Ribeiro
Difusão da propriedade privada e reprodução da precariedade do habitat urbano
O tema da habitação no Brasil é uma das fortes expressões do caráter contraditório dos processos de urbanização e modernização do Brasil em curso desde a segunda metade do século XX. São conhecidos os números que descrevem os traços das nossas cidades inacabadas pela existência de grandes parcelas da população vivendo em favelas e periferias urbanas precariamente equipadas de serviços. No entanto, outro dado nos chama atenção. Trata-se do que mostra a difusão da propriedade da moradia, chegando alcançar 74% do conjunto da população e apenas 15% vive em moradias alugadas. São em sua grande maioria domicílios permanentes que substituíram ao longo deste período as moradias improvisadas que marcaram o início do crescimento das nossas cidades. Nas regiões Sudeste e Sul, as mais urbanizadas do país, chega-se a 87% em média de moradias permanentes.
Evidenciam, sem dúvida nenhuma, a melhoria das condições urbanas de vida, cujo outro lado, porém, é o aumento do parque domiciliar atendido pelos serviços básicos de saneamento: água, esgoto e coleta de lixo. No conjunto do país, este último serviço alcança, com efeito, 86% das moradias e nas regiões Sul e Sudeste estão perto de alcançar a universalização – 93,9% e 86,8% . O mesmo pode ser observado quanto ao serviço de distribuição de água por rede geral. Já no esgotamento sanitário, o Brasil como todo apresenta ainda taxas de atendimento incompatíveis com o seu grau de industrialização e urbanização, pois apenas 48% dos domicílios são servidos por rede coletora e mesmo na região Sudeste, onde estão localizadas as maiores metrópoles criadas com a industrialização, apenas 76% dos domicílios têm o acesso a este essencial serviço.
Na região Sul a situação ainda é pior, pois apenas 4 em cada 10 domicílios têm esgotamento sanitário. A situação é ainda mais preocupante se considerarmos que esses números não conseguem revelar o fato da rede de esgotamento sanitário não estar articulada a um verdadeiro sistema de tratamento e destinação do esgoto sanitário, constituindo um serviço de saneamento ambiental. Em muitos casos, com efeito, sobretudo nas periferias metropolitanas, o esgoto é despejado em rios e lagoas situados no interior da trama urbana, cuja conseqüência dramática é o seu retorno às casas em momentos de enchentes. Acrescente-se que a modalidade de esgotamento por fossa séptica, considerada como adequada, em espaços de alta densidade de ocupação do solo urbano tem significado a ameaça à degradação do lençol freático.
A conclusão é que a difusão da propriedade privada da moradia no Brasil e em especial nas regiões urbanas ocorre simultaneamente com a precarização do habitat urbano. Na raiz desta contradição encontramos as particularidades do processo de urbanização brasileiro, caracterizado pela expansão das periferias metropolitanas em razão de quatro fatores: acelerado movimento de urbanização via migração campo-cidade, baixo preço da terra nas fronteiras das antigas cidades que passaram a ser o centro da industrialização, a existência da dissociação entre salário e custo de reprodução social da força de trabalho e, finalmente, a ausência da intervenção regulatória e planejadora do Estado. Estamos atravessando momento de esgotamento deste modelo de urbanização, em razão das transformações do mercado de trabalho e a expansão do emprego informal, precário, e de baixa remuneração, que exige a proximidade da moradia dos locais possíveis da ocupação e da renda, do aumento do preço relativo dos transportes e da valorização das terras mais acessíveis da periferia metropolitana.
A expressão desta crise é o crescimento do habitat urbano precário, na forma da expansão e adensamento das moradias em favelas nas áreas próximas ou acessíveis aos núcleos nos quais a renda e a riqueza estão concentradas. Adensamento da ocupação do território e adensamento do uso da moradia. Não é por acaso que estamos assistindo à volta de doenças epidêmicas que já tinham sido controladas anteriormente, como é o caso da dengue. Reforma Urbana e Reforma Sanitária são hoje dois lados da mesma moeda, qual seja, a via para a constituição das condições coletivas de vida que correspondam às necessidades geradas por uma sociedade que concentrou 80% da sua população em cidades.
Luiz César de Queiroz Ribeiro é professor titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da UFRJ e coordenador do Observatório das Metrópoles.
marcelo lopes de souza
Habitação: eu planejo, tu planejas... NÓS planejamos
Por Marcelo Lopes de Souza
Segundo estimativa da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional (composto pelo total de domicílios inadequados, rústicos, improvisados ou que abrigam mais de uma família) alcançava, no Brasil, em 2000, cerca de 7,2 milhões de domicílios, ou pouco mais de 16% do total de domicílios no país. E essa é, muito provavelmente, uma estimativa conservadora. Coloque-se, agora, a questão: quem deve planejar as soluções para o problema habitacional brasileiro (ou de qualquer outro país)? Somente o aparelho de Estado?
Há termos que, de antemão, despertam simpatia ou antipatia, dependendo do ambiente. Planejamento tem sido, entre os pesquisadores urbanos de formação e índole mais críticas, um tema, por assim dizer, “maldito”, a tal ponto que a própria palavra desperta antipatia em algumas pessoas. É como se o planejamento fosse, intrinsecamente, um saber conservador...
Admito de muitíssimo bom grado que esse tipo de preconceito se apóia sobre uma base largamente real. Afinal, para o que tem servido o planejamento promovido pelo Estado nas sociedades capitalistas, quase sempre, senão para perpetuar ou até mesmo para agravar as condições de dominação? Quem ignora que, nos EUA, convencionalmente visto como um país plenamente “democrático”, o planejamento serviu e continua a servir, muitas vezes, para facilitar processos de segregação residencial? Seria até tedioso listar exemplos de serventia do planejamento urbano a objetivos antipopulares, seja em países centrais, seja em países periféricos e semiperiféricos.
É evidente que, no que se refere ao planejamento promovido pelo Estado, dificilmente poderia ser diferente. A tendência lógica é a de que esse planejamento sirva, direta ou indiretamente, à dominação, à heteronomia, à segregação. Afinal de contas, essa é a tendência essencial do próprio Estado capitalista.
Tendência não significa, porém, inevitabilidade absoluta e determinística. Acompanhando Nicos Poulantzas, pode-se dizer que o Estado é a condensação de uma relação de forças, e não um monolito sem fissuras, isto é, uma realidade sem contradições. Existe, portanto, a possibilidade de que, conjunturalmente, enquanto governo, forças políticas razoavelmente comprometidas com uma agenda de mudança social assumam o controle do Estado, alavancando alguns avanços não desprezíveis. Isso em nada muda o caráter estrutural do Estado como uma instituição heterônoma, opressora; além do mais, tais conjunturas consistentemente favoráveis tendem a ser raras e frágeis, e mais prováveis em escala local que em escalas supralocais. No entanto, se generalizarmos abusivamente, no estilo “qualquer planejamento e qualquer governo, nos marcos do Estado capitalista, é, necessariamente, conservador”, cometeremos dois equívocos, de sérias implicações políticas: um, empírico; outro, teórico-estratégico.
O empírico: nós esqueceríamos, por exemplo, daqueles “advocacy planners” mais críticos, que na segunda metade dos anos 60 e primeira metade da década seguinte, davam apoio a populações de guetos em cidades dos EUA, atuando como “advogados” de seus interesses, diante de ameaças como a erradicação forçada do gueto (equivalente americano das remoções de favelas que, entre os anos 60 e 70, foram comuns no Brasil); nós esqueceríamos, além disso, de vários outros exemplos de tentativas de fazer com que conhecimentos técnicos sobre o planejamento e a gestão das cidades sejam socializados e postos a serviço de uma agenda comprometida com a justiça social – como ilustra, no Brasil, especialmente nos anos 80, a mobilização em torno da reforma urbana, em cujo âmbito as preocupações com o problema habitacional sempre ocuparam lugar de destaque.
Quanto ao equívoco teórico-estratégico, ele reside no seguinte: nós subestimaríamos as possibilidades de pontes entre o estratégico e o tático, o estrutural e o conjuntural, o longo prazo e o curto e o médio prazo. O tático, o curto prazo e o conjuntural não precisam, sempre, servir apenas para estabilizar o status quo – lembremos da possibilidade de acúmulo de forças e experiências, dos efeitos multiplicadores, da memória das lutas, da construção lenta de uma experiência de organização e de uma consciência de direitos que ajudem a preparar para um salto de qualidade.
Será, então, que a “moral da história” é que o aparelho de Estado deve ser o depositário de todas as esperanças, bastando torcer por uma conjuntura política favorável? Decididamente, não. De um ponto de vista “político-pedagógico”, mais importante que isso são aquelas situações, muito mais radicais, em que a sociedade civil conduz, ela própria, experiências de planejamento e gestão urbanos alternativas: planejamento, por exemplo, da ocupação de prédios e terrenos ociosos (“abandonados”, mantidos como reserva de valor etc.), considerando a localização “estratégica” e a situação fundiária desses imóveis, problemas “logísticos” (abastecimento etc.) e outras questões. (Apenas para se ter uma idéia, e a título de contraste com o dado anteriormente fornecido sobre o tamanho do déficit habitacional: o número de domicílios urbanos vagos no Brasil era, em 2000, segundo o IBGE, de 4,6 milhões).
Não se trata meramente de “autoconstrução” – ou seja, do expediente cotidianamente usado pela população pobre brasileira há mais de um século, nas favelas e periferias, para enfrentar o problema da moradia. A referência, aqui, não é a um processo de ocupação de terrenos ou compra de lotes e construção de moradias precárias que, ao não ser conscientemente voltado para exercer uma pressão sobre o Estado e um protesto, não desafia diretamente o sistema. A referência, aqui, é à possibilidade de organizações de movimentos sociais atuarem, elas próprias, como agentes de planejamento e gestão, desse modo (re)colocando a questão da moradia (e da reforma urbana) na ordem do dia, com grande visibilidade política.
Aliás, essa possibilidade, em parte, já é uma realidade. Uma organização como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ou outra organização do movimento dos sem-teto, planejando ocupações (explorando brechas da lei para afrontar a propriedade privada), planejando e gerindo a produção de um espaço alternativo – refuncionalizando um terreno ou um prédio –, definindo estratégias de territorialização, estabelecendo redes de apoio mútuo e buscando auxílio logístico e político em várias escalas, está, efetivamente, elaborando um (contra)planejamento, um planejamento insurgente na prática, e desenvolvendo experiências de gestão alternativa (de um acampamento, de um prédio abandonado e refuncionalizado etc.). É óbvio que, nessas situações, não estamos falando de “planejamento urbano” em sentido usual – coisas como o estabelecimento de um zoneamento ou a aplicação formal de um tributo, que são prerrogativas legais do Estado. Entretanto, o exemplo dado não corresponde a uma reação puramente “espontânea”; trata-se de algo organizado, programática e estrategicamente lastreado, que possui rebatimentos e relevância do ponto de vista territorial, para além da mera denúncia ou da simples crítica discursiva do status quo.
A despeito de suas muitas dificuldades, os movimentos sociais não podem se furtar a elaborar as suas próprias estratégias e tentar pô-las em prática apesar do Estado e contra o Estado – e, quando valer a pena, em parceria com o Estado, mas em situação de vigilância contra quaisquer tentativas de cooptação. A ação direta das organizações desse movimento (e de outros) pode e deve, muitas vezes, ser conjugada com a luta institucional – por exemplo, aproveitando a eventual existência de instâncias e canais participativos, desde que esses canais e instâncias sejam acionados por uma sociedade civil vigilante e mobilizada e explorados eficiente e inteligentemente por movimentos sociais. As perguntas que, no meu entendimento, fazem esse tipo de debate tornar-se realmente produtivo, do ângulo da colheita de subsídios para a ação transformadora, são as seguintes:
Os avanços conjunturais que podem, dependendo das circunstâncias, ser observados em matéria de instâncias participativas e avanços legais ou institucionais, têm um potencial de acúmulo? (Se não tiverem, sua relevância pode ser menor do que alguns gostariam de imaginar, e podem, no limite, contribuir antes para cooptar que para colaborar para novos avanços no futuro.)
Esses avanços táticos estão conectados ou têm potencial para serem conectados a um “horizonte utópico”? (Se não for o caso, os meios podem virar fins, e os fins “findarem”, em meio a uma cooptação dos movimentos sociais e a uma “domesticação” das forças políticas progressistas.)
Os canais institucionais servem para organizar a sociedade e expandir a consciência de direitos, ou, pela sua dinâmica, servem apenas para cooptar e legitimar o status quo heterônomo?
Como os avanços legais foram produzidos? Houve mobilizações e pressões populares que empurraram nessa direção, ou foi uma iniciativa de elites pretensamente esclarecidas? (Deve-se desconfiar de “avanços” que não sejam fruto de pressão popular. Podem, às vezes, até ser avanços de fato, tomados isoladamente; entretanto, se não foram fruto de demanda e pressão das bases, qual a esperança de que haja, mais tarde, mobilização e pressão popular para que sejam efetivamente implementados e aprimorados? Sem uma pressão decidida, constante e organizada dos movimentos sociais, leis formais, mesmo quando razoavelmente progressistas, viram letra morta, assim como canais participativos oficiais podem tornar-se meros instrumentos de cooptação.)
Quais são, afinal, as “brechas da lei”? E como explorá-las?
Como os próprios movimentos sociais pensam e planejam organizações espaciais alternativas, e como eles gerem os seus espaços?
Note-se que as condições de êxito mencionadas ao expor esses pontos (garantir e aproveitar um “potencial de acúmulo”, explorar eventuais “brechas legais”, não deixar-se cooptar etc. etc.) têm a ver, acima de tudo, com a própria dinâmica da sociedade civil, em particular dos movimentos sociais. Isso pode fazer toda a diferença entre uma conjuntura favorável e outra desfavorável, entre uma abertura grande ou pequena dos governos locais para a “participação popular”, entre a cooptação e a resistência por parte dos ativismos, e por aí vai.
Mesmo quando certos canais participativos formais (instituídos pelo Estado) e determinados marcos legais merecerem ser, por seu potencial, prudente e criticamente valorizados (não fazê-lo seria puro e simples obscurantismo, embora fantasiado de radicalismo esclarecido), não é no Estado que devem ser buscadas as respostas ou depositadas as esperanças mais importantes, mas nos movimentos sociais. Acresce que, no tocante à questão habitacional, instâncias participativas locais – como os poucos casos realmente consistentes de orçamento participativo, a exemplo do de Porto Alegre (pelo menos até o começo da década) – terão sempre uma capacidade muito limitada para enfrentar o problema. No caso da questão habitacional, evidentemente que é fundamental que se criem as condições político-econômicas para que o Estado brasileiro aumente seus investimentos no setor (o que, no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento/PAC do governo federal, ainda é basicamente uma promessa, e ainda por cima bastante insuficiente). Além disso, o movimento dos sem-teto e suas organizações são, ainda, débeis no Brasil, e há vários problemas a serem superados. Não obstante, os movimentos sociais deverão, não somente exigindo investimentos e outras ações por parte do Estado, mas também desenvolvendo, eles próprios, soluções e alternativas – de curto, médio e longo prazo –, buscar exercer um papel verdadeiramente protagônico.
Marcelo Lopes de Souza é professor da UFRJ, onde coordena o Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial (NuPeD), e pesquisador do CNPq. É autor, entre outros livros, de Mudar a cidade e A prisão e a ágora, ambos publicados pela editora Bertrand Brasil. E-mail: mlopesdesouza@terra.com.br
Por Marcelo Lopes de Souza
Segundo estimativa da Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional (composto pelo total de domicílios inadequados, rústicos, improvisados ou que abrigam mais de uma família) alcançava, no Brasil, em 2000, cerca de 7,2 milhões de domicílios, ou pouco mais de 16% do total de domicílios no país. E essa é, muito provavelmente, uma estimativa conservadora. Coloque-se, agora, a questão: quem deve planejar as soluções para o problema habitacional brasileiro (ou de qualquer outro país)? Somente o aparelho de Estado?
Há termos que, de antemão, despertam simpatia ou antipatia, dependendo do ambiente. Planejamento tem sido, entre os pesquisadores urbanos de formação e índole mais críticas, um tema, por assim dizer, “maldito”, a tal ponto que a própria palavra desperta antipatia em algumas pessoas. É como se o planejamento fosse, intrinsecamente, um saber conservador...
Admito de muitíssimo bom grado que esse tipo de preconceito se apóia sobre uma base largamente real. Afinal, para o que tem servido o planejamento promovido pelo Estado nas sociedades capitalistas, quase sempre, senão para perpetuar ou até mesmo para agravar as condições de dominação? Quem ignora que, nos EUA, convencionalmente visto como um país plenamente “democrático”, o planejamento serviu e continua a servir, muitas vezes, para facilitar processos de segregação residencial? Seria até tedioso listar exemplos de serventia do planejamento urbano a objetivos antipopulares, seja em países centrais, seja em países periféricos e semiperiféricos.
É evidente que, no que se refere ao planejamento promovido pelo Estado, dificilmente poderia ser diferente. A tendência lógica é a de que esse planejamento sirva, direta ou indiretamente, à dominação, à heteronomia, à segregação. Afinal de contas, essa é a tendência essencial do próprio Estado capitalista.
Tendência não significa, porém, inevitabilidade absoluta e determinística. Acompanhando Nicos Poulantzas, pode-se dizer que o Estado é a condensação de uma relação de forças, e não um monolito sem fissuras, isto é, uma realidade sem contradições. Existe, portanto, a possibilidade de que, conjunturalmente, enquanto governo, forças políticas razoavelmente comprometidas com uma agenda de mudança social assumam o controle do Estado, alavancando alguns avanços não desprezíveis. Isso em nada muda o caráter estrutural do Estado como uma instituição heterônoma, opressora; além do mais, tais conjunturas consistentemente favoráveis tendem a ser raras e frágeis, e mais prováveis em escala local que em escalas supralocais. No entanto, se generalizarmos abusivamente, no estilo “qualquer planejamento e qualquer governo, nos marcos do Estado capitalista, é, necessariamente, conservador”, cometeremos dois equívocos, de sérias implicações políticas: um, empírico; outro, teórico-estratégico.
O empírico: nós esqueceríamos, por exemplo, daqueles “advocacy planners” mais críticos, que na segunda metade dos anos 60 e primeira metade da década seguinte, davam apoio a populações de guetos em cidades dos EUA, atuando como “advogados” de seus interesses, diante de ameaças como a erradicação forçada do gueto (equivalente americano das remoções de favelas que, entre os anos 60 e 70, foram comuns no Brasil); nós esqueceríamos, além disso, de vários outros exemplos de tentativas de fazer com que conhecimentos técnicos sobre o planejamento e a gestão das cidades sejam socializados e postos a serviço de uma agenda comprometida com a justiça social – como ilustra, no Brasil, especialmente nos anos 80, a mobilização em torno da reforma urbana, em cujo âmbito as preocupações com o problema habitacional sempre ocuparam lugar de destaque.
Quanto ao equívoco teórico-estratégico, ele reside no seguinte: nós subestimaríamos as possibilidades de pontes entre o estratégico e o tático, o estrutural e o conjuntural, o longo prazo e o curto e o médio prazo. O tático, o curto prazo e o conjuntural não precisam, sempre, servir apenas para estabilizar o status quo – lembremos da possibilidade de acúmulo de forças e experiências, dos efeitos multiplicadores, da memória das lutas, da construção lenta de uma experiência de organização e de uma consciência de direitos que ajudem a preparar para um salto de qualidade.
Será, então, que a “moral da história” é que o aparelho de Estado deve ser o depositário de todas as esperanças, bastando torcer por uma conjuntura política favorável? Decididamente, não. De um ponto de vista “político-pedagógico”, mais importante que isso são aquelas situações, muito mais radicais, em que a sociedade civil conduz, ela própria, experiências de planejamento e gestão urbanos alternativas: planejamento, por exemplo, da ocupação de prédios e terrenos ociosos (“abandonados”, mantidos como reserva de valor etc.), considerando a localização “estratégica” e a situação fundiária desses imóveis, problemas “logísticos” (abastecimento etc.) e outras questões. (Apenas para se ter uma idéia, e a título de contraste com o dado anteriormente fornecido sobre o tamanho do déficit habitacional: o número de domicílios urbanos vagos no Brasil era, em 2000, segundo o IBGE, de 4,6 milhões).
Não se trata meramente de “autoconstrução” – ou seja, do expediente cotidianamente usado pela população pobre brasileira há mais de um século, nas favelas e periferias, para enfrentar o problema da moradia. A referência, aqui, não é a um processo de ocupação de terrenos ou compra de lotes e construção de moradias precárias que, ao não ser conscientemente voltado para exercer uma pressão sobre o Estado e um protesto, não desafia diretamente o sistema. A referência, aqui, é à possibilidade de organizações de movimentos sociais atuarem, elas próprias, como agentes de planejamento e gestão, desse modo (re)colocando a questão da moradia (e da reforma urbana) na ordem do dia, com grande visibilidade política.
Aliás, essa possibilidade, em parte, já é uma realidade. Uma organização como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ou outra organização do movimento dos sem-teto, planejando ocupações (explorando brechas da lei para afrontar a propriedade privada), planejando e gerindo a produção de um espaço alternativo – refuncionalizando um terreno ou um prédio –, definindo estratégias de territorialização, estabelecendo redes de apoio mútuo e buscando auxílio logístico e político em várias escalas, está, efetivamente, elaborando um (contra)planejamento, um planejamento insurgente na prática, e desenvolvendo experiências de gestão alternativa (de um acampamento, de um prédio abandonado e refuncionalizado etc.). É óbvio que, nessas situações, não estamos falando de “planejamento urbano” em sentido usual – coisas como o estabelecimento de um zoneamento ou a aplicação formal de um tributo, que são prerrogativas legais do Estado. Entretanto, o exemplo dado não corresponde a uma reação puramente “espontânea”; trata-se de algo organizado, programática e estrategicamente lastreado, que possui rebatimentos e relevância do ponto de vista territorial, para além da mera denúncia ou da simples crítica discursiva do status quo.
A despeito de suas muitas dificuldades, os movimentos sociais não podem se furtar a elaborar as suas próprias estratégias e tentar pô-las em prática apesar do Estado e contra o Estado – e, quando valer a pena, em parceria com o Estado, mas em situação de vigilância contra quaisquer tentativas de cooptação. A ação direta das organizações desse movimento (e de outros) pode e deve, muitas vezes, ser conjugada com a luta institucional – por exemplo, aproveitando a eventual existência de instâncias e canais participativos, desde que esses canais e instâncias sejam acionados por uma sociedade civil vigilante e mobilizada e explorados eficiente e inteligentemente por movimentos sociais. As perguntas que, no meu entendimento, fazem esse tipo de debate tornar-se realmente produtivo, do ângulo da colheita de subsídios para a ação transformadora, são as seguintes:
Os avanços conjunturais que podem, dependendo das circunstâncias, ser observados em matéria de instâncias participativas e avanços legais ou institucionais, têm um potencial de acúmulo? (Se não tiverem, sua relevância pode ser menor do que alguns gostariam de imaginar, e podem, no limite, contribuir antes para cooptar que para colaborar para novos avanços no futuro.)
Esses avanços táticos estão conectados ou têm potencial para serem conectados a um “horizonte utópico”? (Se não for o caso, os meios podem virar fins, e os fins “findarem”, em meio a uma cooptação dos movimentos sociais e a uma “domesticação” das forças políticas progressistas.)
Os canais institucionais servem para organizar a sociedade e expandir a consciência de direitos, ou, pela sua dinâmica, servem apenas para cooptar e legitimar o status quo heterônomo?
Como os avanços legais foram produzidos? Houve mobilizações e pressões populares que empurraram nessa direção, ou foi uma iniciativa de elites pretensamente esclarecidas? (Deve-se desconfiar de “avanços” que não sejam fruto de pressão popular. Podem, às vezes, até ser avanços de fato, tomados isoladamente; entretanto, se não foram fruto de demanda e pressão das bases, qual a esperança de que haja, mais tarde, mobilização e pressão popular para que sejam efetivamente implementados e aprimorados? Sem uma pressão decidida, constante e organizada dos movimentos sociais, leis formais, mesmo quando razoavelmente progressistas, viram letra morta, assim como canais participativos oficiais podem tornar-se meros instrumentos de cooptação.)
Quais são, afinal, as “brechas da lei”? E como explorá-las?
Como os próprios movimentos sociais pensam e planejam organizações espaciais alternativas, e como eles gerem os seus espaços?
Note-se que as condições de êxito mencionadas ao expor esses pontos (garantir e aproveitar um “potencial de acúmulo”, explorar eventuais “brechas legais”, não deixar-se cooptar etc. etc.) têm a ver, acima de tudo, com a própria dinâmica da sociedade civil, em particular dos movimentos sociais. Isso pode fazer toda a diferença entre uma conjuntura favorável e outra desfavorável, entre uma abertura grande ou pequena dos governos locais para a “participação popular”, entre a cooptação e a resistência por parte dos ativismos, e por aí vai.
Mesmo quando certos canais participativos formais (instituídos pelo Estado) e determinados marcos legais merecerem ser, por seu potencial, prudente e criticamente valorizados (não fazê-lo seria puro e simples obscurantismo, embora fantasiado de radicalismo esclarecido), não é no Estado que devem ser buscadas as respostas ou depositadas as esperanças mais importantes, mas nos movimentos sociais. Acresce que, no tocante à questão habitacional, instâncias participativas locais – como os poucos casos realmente consistentes de orçamento participativo, a exemplo do de Porto Alegre (pelo menos até o começo da década) – terão sempre uma capacidade muito limitada para enfrentar o problema. No caso da questão habitacional, evidentemente que é fundamental que se criem as condições político-econômicas para que o Estado brasileiro aumente seus investimentos no setor (o que, no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento/PAC do governo federal, ainda é basicamente uma promessa, e ainda por cima bastante insuficiente). Além disso, o movimento dos sem-teto e suas organizações são, ainda, débeis no Brasil, e há vários problemas a serem superados. Não obstante, os movimentos sociais deverão, não somente exigindo investimentos e outras ações por parte do Estado, mas também desenvolvendo, eles próprios, soluções e alternativas – de curto, médio e longo prazo –, buscar exercer um papel verdadeiramente protagônico.
Marcelo Lopes de Souza é professor da UFRJ, onde coordena o Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Sócio-Espacial (NuPeD), e pesquisador do CNPq. É autor, entre outros livros, de Mudar a cidade e A prisão e a ágora, ambos publicados pela editora Bertrand Brasil. E-mail: mlopesdesouza@terra.com.br
comentários a mike davis -planeta de favelas
Ermínia Maricato:
http://www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha163.asp
Entrevista:
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&tipo=entrevista&edicao=25
http://www.vitruvius.com.br/resenhas/textos/resenha163.asp
Entrevista:
http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&tipo=entrevista&edicao=25
mike davis - planeta de favelas
Planeta de favelas, artigo de Mike Davis (leitura gratuita ou impressão em PDF, em inglês, no endereço www.newleftreview.net/NLR26001.shtml).
funcionalismo e arquitetura da nova objetividade
Para compreender como a arquitetura chegou à situação da década de 1960 é preciso conhecer a ordem de sucessão das experiências, a saber: o período decorrido entre os anos 1900-1914 designa a arquitetura do Proto-Racionalismo e demarca a primeira contraposição entre a adoção da geometria de formas elementares e o uso da ornamentação. Pertencem a essa geração de arquitetos: Frank Lloyd Wright, Henri van de Velde, Adolf Loos, Peter Behrens, Herman Muthesius, Auguste Perret; o período seguinte, entre os anos 1914-1938, recebe a denominação - bem conhecida - de Movimento Moderno. São acontecimentos significativos que demarcam seu limite temporal: além do início da Primeira Guerra em 1914, no mesmo ano realiza-se a Exposição do Deutscher Werkbund, em Colônia. Dali em diante haveria uma sucessão de experiências cujo vocabulário admite pontos comuns: Expressionismo (1910-1925), De Stjl (1917-1931), Construtivismo Russo (1918-1932), a Bauhaus de Walter Gropius (1919-1932) e a carreira-solo de Le Corbusier (1907-1931). Em 1928, com a fundação dos CIAM, a denominação arquitetura moderna é aceita, mundialmente, e seus termos são comumente reconhecidos. Para Leonardo Benevolo a formação do Movimento Moderno se dá após a Primeira Guerra, “numa rede finíssima de trocas e solicitações”, mas o autor destaca que os acontecimentos decisivos são a experiência coletiva e didática de Walter Gropius e o trabalho individual de Le Corbusier. Kenneth Frampton defende a extensão do Movimento Moderno até o final da Segunda Guerra (1945), pois até ali teriam se mantido homogêneos os meios e os objetivos. Afora a divergência sobre datas de início e término, nossos autores concordam sobre o fato de ter havido, no espaço de quase duas décadas, “não mais experiências múltiplas e sucessivas umas às outras, mas ao contrário, uma atuação sobre o conjunto de tendências”, cujas experiências acabavam por se fazer segundo pontos convergentes.O período que decorre do Pós- Guerra (1945) ao final da década de 50 (1960) é definitivamente marcado pela internacionalização do vocabulário – modernos para além da Europa - , tanto no que respeita à difusão, como sua miscigenação, por assim dizer. As experiências norte-americanas sucedem-se em maior quantidade (contando, em boa parte, com os europeus emigrados), e mesmo países situados à margem do eixo Paris-Nova York apresentariam experiências relevantes. Há o caso brasileiro e a arquitetura do Japão, além de outros países da Europa mesmo: Tcheco-Eslováquia, Finlândia. A denominação Estilo Internacional surge como título de uma exposição realizada por Henri-Russell Hittchcock e Philip Johnson, em 1932, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), na qual Le Corbusier, Gropius, Oud e Mies são chamados de líderes da nova arquitetura. Hithcock escreveria, em 1958:“ (...) por várias razões o nome International Style foi, mais tarde, freqüentemente castigado; ainda tem sido usado de modo recorrente, com ou sem apologia, por muitos críticos. Desde que o termo adquiriu uma conotação pejorativa, tenho evitado usá-lo (...), preferindo o mais vago mas menos controverso ‘arquitetura moderna da segunda geração’, a despeito de sua deselegância. Em defesa do sentido original do termo, tal como fora posto por Barr, Johnson e por mim, e ainda guardando alguma validade no início da década de 50, escrevi o artigo ‘The International Style, Twenty Years after.” A controvérsia tem toda razão de ser; justamente quando as experiências se diversificavam enquanto linguagens figurativas e inserções culturais, o que se pretendia ter como imagem era a homogeneidade. Mas, “sua aparente homogeneidade era enganosa (...). O Estilo Internacional nunca chegou a ser autenticamente universal. Não obstante, implicava uma universalidade de enfoque, que, em geral favorecia a aplicação da técnica de materiais sintéticos modernos, leves e das partes estandardizadas modulares, a fim de facilitar a fabricação e a construção. Como regra geral, tendia à flexibilidade hipotética da planta livre e com este objetivo preferia a construção armada (...). Essa predisposição se tornou formalista ali onde as condições, fossem culturais, climáticas ou econômicas, não podiam suportar a aplicação de uma tecnologia avançada(...).”
Friday, June 1, 2007
questão prova de tópicos da arquitetura
para os três textos estudados na segunda etapa da disciplina faça uma síntese de cada um deles apontando os principais temas de cada autor. dê sua opinião sobre as implicações de cada texto para a experiência do usuário da arquitetura (no uso das habitações e dos espaços públicos).
Thursday, March 15, 2007
notícias de nenhum lugar 1 Maison de Verre
MAISON DE VERRE’S NEW KEEPER
New York
Historian and Patron Buys Parisian Landmark
The Maison de Verre in Paris, Pierre Chareau’s most celebrated work, has been purchased by Robert Rubin, a doctoral candidate in architectural history at Columbia University. Rubin, a former commodity and currency trader, bought the 75-year-old house directly from its owners, Dr. and Mrs. Vellay, who is the daughter of the house’s original clients, Dr. and Mrs. Dalsace. Chareau collaborated with Louis Dalvet, a master craftsman, and Bernard Bijvoet, a licensed architect, on the design of the iconic residence, which took four years to build.The Maison de Verre could not have found a more fitting caretaker. Rubin is writing his thesis on the work of Chareau and Jean Prouvé, and recently rescued a work by the latter, the Maison Tropicale, which was prefabricated in France and constructed in Brazzaville in 1951. In 1997, Rubin sponsored a mission to retrieve the house, the sole survivor among three prototypes, from the Republic of Congo which was then in the midst of a civil war. The Tropical House was installed on the Yale University campus a year ago and was at the Hammer Museum in Los Angeles until January. Rubin has donated the house to the Georges Pompidou Center, where it will be exhibited in 2007 as part of a larger exhibition on Prouvé.Rubin intends to live in the Maison de Verre with his wife, Stéphane (who is French) and their three children. They have kept a residence in Paris since 1981. According to Rubin, the Maison de Verre requires some restoration work, which will not be completed until 2007. “Structurally the house is okay,” he said. “We have to re-do things like the electrical wiring, which is a bit of a project because we’re going to preserve the original system.” All the electrical wires were encased in tubes that were separate from the exposed steel-frame, glass-block structure.The sale of the Maison de Verre was a potentially sensitive issue given that the house is designated a historic landmark. Dr. and Mrs. Vellay, who are in their 80s, wanted to ensure the house’s long-term preservation and accessibility, according architectural historian Brian Brace Taylor, who wrote a book on Chareau (Taschen, 1992) and introduced Rubin to the Vellays. Taylor lived in Paris for more than 30 years, teaching, writing, and editing MIMAR (which he founded) for a period. He was active with the Friends of the Glass House, a volunteer association that helped the Vellays handle requests for visits and organized guided tours. Now in New York teaching at NYIT, Taylor observed, “The Vellays weren’t interested in the prospect of the house being collected as a curiosity, and they also sensed that a cultural institution wouldn’t know what to do with it.” He pointed to Le Corbusier’s Villa Savoie, which is owned by the French Ministry of Culture, and has sat empty for nearly 20 years, unfurnished and without purpose.“Rubin is in the unique position of being an architectural historian and having the means to recognize and define a vocation for the house that is appropriate to its history,” said Taylor. “The house should have some life in it, but the right kind.”“The important thing to me is that the house stay a house,” said Rubin. “If you turn it into a museum or a foundation, it would lose its spirit.” He assures that the house will be accessible to visitors in some manner and he will no doubt document its continuing history fastidiously.
Lang Ho
New York
Historian and Patron Buys Parisian Landmark
The Maison de Verre in Paris, Pierre Chareau’s most celebrated work, has been purchased by Robert Rubin, a doctoral candidate in architectural history at Columbia University. Rubin, a former commodity and currency trader, bought the 75-year-old house directly from its owners, Dr. and Mrs. Vellay, who is the daughter of the house’s original clients, Dr. and Mrs. Dalsace. Chareau collaborated with Louis Dalvet, a master craftsman, and Bernard Bijvoet, a licensed architect, on the design of the iconic residence, which took four years to build.The Maison de Verre could not have found a more fitting caretaker. Rubin is writing his thesis on the work of Chareau and Jean Prouvé, and recently rescued a work by the latter, the Maison Tropicale, which was prefabricated in France and constructed in Brazzaville in 1951. In 1997, Rubin sponsored a mission to retrieve the house, the sole survivor among three prototypes, from the Republic of Congo which was then in the midst of a civil war. The Tropical House was installed on the Yale University campus a year ago and was at the Hammer Museum in Los Angeles until January. Rubin has donated the house to the Georges Pompidou Center, where it will be exhibited in 2007 as part of a larger exhibition on Prouvé.Rubin intends to live in the Maison de Verre with his wife, Stéphane (who is French) and their three children. They have kept a residence in Paris since 1981. According to Rubin, the Maison de Verre requires some restoration work, which will not be completed until 2007. “Structurally the house is okay,” he said. “We have to re-do things like the electrical wiring, which is a bit of a project because we’re going to preserve the original system.” All the electrical wires were encased in tubes that were separate from the exposed steel-frame, glass-block structure.The sale of the Maison de Verre was a potentially sensitive issue given that the house is designated a historic landmark. Dr. and Mrs. Vellay, who are in their 80s, wanted to ensure the house’s long-term preservation and accessibility, according architectural historian Brian Brace Taylor, who wrote a book on Chareau (Taschen, 1992) and introduced Rubin to the Vellays. Taylor lived in Paris for more than 30 years, teaching, writing, and editing MIMAR (which he founded) for a period. He was active with the Friends of the Glass House, a volunteer association that helped the Vellays handle requests for visits and organized guided tours. Now in New York teaching at NYIT, Taylor observed, “The Vellays weren’t interested in the prospect of the house being collected as a curiosity, and they also sensed that a cultural institution wouldn’t know what to do with it.” He pointed to Le Corbusier’s Villa Savoie, which is owned by the French Ministry of Culture, and has sat empty for nearly 20 years, unfurnished and without purpose.“Rubin is in the unique position of being an architectural historian and having the means to recognize and define a vocation for the house that is appropriate to its history,” said Taylor. “The house should have some life in it, but the right kind.”“The important thing to me is that the house stay a house,” said Rubin. “If you turn it into a museum or a foundation, it would lose its spirit.” He assures that the house will be accessible to visitors in some manner and he will no doubt document its continuing history fastidiously.
Lang Ho
Monday, February 19, 2007
Edukators II
July 28th, 2005
The Edukators
Hey, teacher!
Melora Koepke
The Edukators: Jan, Jule and Peter kidnap for love and money Edukators director Hans Weingartner won't leave the kids aloneThe kids will really like Hans Weingartner's second feature - it's been pegged as a Trainspotting with politics, entertainment for the anti-WTO set, shot on handheld DV with a 250,000 euro bank loan. It's a Brechtian parable shot like reality TV with a distinctly Indymedia feel to it (there's a lot of polemical debate written into the dialogue).
Jan, Jule and Peter are a love triangle of German activist-hipsters with a secret hobby: They invade the homes of the rich when their occupants are absent, and rearrange all the furniture as a sort of home-invasion-cum-culture-jam. Jule leads a life of indentured servitude as a waitress to pay an insurance debt to a rich businessman, and when she finds out about her compadres' nighttime adventures, a kidnapping plan is hatched.
The Edukators may be an antidote to the high-frequency crapfest that has been the last month or so in the cineplex. Rampant international distribution deals are afoot after a showing at Cannes. To wit, when I get Hans Weingartner on the phone in Germany, he sounds like the walking dead - after an avowed "300 or so interviews" on The Edukators, he's half asleep and wondering just what there is left to say.
Hour You did the whole thing on a shoestring, and produced it yourself - that in itself must be exhausting.
Hans Weingartner [sounding so sleepy he's actually slurring his words] I didn't want a lot of money, it reduces the pressure and you have more freedom. Also, less commercial pressure
'I produced it myself so that I would not have to worry about it. Now, I could pay the loan back right away if I wanted to.
Hour Is it a risk or a benefit to make a movie that is so politically allegorical? That isn't really the fashion right now in moviemaking... in the Western world anyway.
Weingartner As soon as you make a political film, people become critical of the political message, because everybody has a political opinion. The risk is that nobody is going to want to see the film, not the most political time in the world. But there is romance in this film too, and [fun]... it is just political romance, and fun.
Hour People do not generally like to be lectured to...
Weingartner You have to go very deep, and find emotions that touch everybody. Jule has a debt to this upper manager, and she had to give up her life to pay this debt, and I think everyone in the audience, left or right, can understand what she is going through. It's unfair and not justified, it's a good way to explain what the First World is doing to the Third World. This way you can dispense political messages, but be careful not to fall into political programs.
Hour: You yourself were a squatter and an activist when you were younger. Is The Edukators another form of activism?
Weingartner [It is concerned with the issues] that personally occupy me. It sounds pathetic, I know, I'm sorry, but it's not, these are human feelings. We are social beings, we are not competitive beings... that is what capitalism tries to tell us, but it is bullshit. It is stuff from the '70s but if you repeat it today, everybody starts to yawn. [Yawns, then chuckles.]
Hour So this is a film for a particular time and place?
Weingartner The Edukators is only my second film, and it has been shown in Cannes, and around the world... I would never have dreamt that it could have gotten so far. There must be something in the air... five years ago, nobody would have given a shit about this film. Now, people are tired of the machine, they are tired of running around a spinning wheel in a circus where the mouse is running. The stress has reached a level that makes us unhappy, and all the yoga in the world cannot help.
The Edukators
Hey, teacher!
Melora Koepke
The Edukators: Jan, Jule and Peter kidnap for love and money Edukators director Hans Weingartner won't leave the kids aloneThe kids will really like Hans Weingartner's second feature - it's been pegged as a Trainspotting with politics, entertainment for the anti-WTO set, shot on handheld DV with a 250,000 euro bank loan. It's a Brechtian parable shot like reality TV with a distinctly Indymedia feel to it (there's a lot of polemical debate written into the dialogue).
Jan, Jule and Peter are a love triangle of German activist-hipsters with a secret hobby: They invade the homes of the rich when their occupants are absent, and rearrange all the furniture as a sort of home-invasion-cum-culture-jam. Jule leads a life of indentured servitude as a waitress to pay an insurance debt to a rich businessman, and when she finds out about her compadres' nighttime adventures, a kidnapping plan is hatched.
The Edukators may be an antidote to the high-frequency crapfest that has been the last month or so in the cineplex. Rampant international distribution deals are afoot after a showing at Cannes. To wit, when I get Hans Weingartner on the phone in Germany, he sounds like the walking dead - after an avowed "300 or so interviews" on The Edukators, he's half asleep and wondering just what there is left to say.
Hour You did the whole thing on a shoestring, and produced it yourself - that in itself must be exhausting.
Hans Weingartner [sounding so sleepy he's actually slurring his words] I didn't want a lot of money, it reduces the pressure and you have more freedom. Also, less commercial pressure
'I produced it myself so that I would not have to worry about it. Now, I could pay the loan back right away if I wanted to.
Hour Is it a risk or a benefit to make a movie that is so politically allegorical? That isn't really the fashion right now in moviemaking... in the Western world anyway.
Weingartner As soon as you make a political film, people become critical of the political message, because everybody has a political opinion. The risk is that nobody is going to want to see the film, not the most political time in the world. But there is romance in this film too, and [fun]... it is just political romance, and fun.
Hour People do not generally like to be lectured to...
Weingartner You have to go very deep, and find emotions that touch everybody. Jule has a debt to this upper manager, and she had to give up her life to pay this debt, and I think everyone in the audience, left or right, can understand what she is going through. It's unfair and not justified, it's a good way to explain what the First World is doing to the Third World. This way you can dispense political messages, but be careful not to fall into political programs.
Hour: You yourself were a squatter and an activist when you were younger. Is The Edukators another form of activism?
Weingartner [It is concerned with the issues] that personally occupy me. It sounds pathetic, I know, I'm sorry, but it's not, these are human feelings. We are social beings, we are not competitive beings... that is what capitalism tries to tell us, but it is bullshit. It is stuff from the '70s but if you repeat it today, everybody starts to yawn. [Yawns, then chuckles.]
Hour So this is a film for a particular time and place?
Weingartner The Edukators is only my second film, and it has been shown in Cannes, and around the world... I would never have dreamt that it could have gotten so far. There must be something in the air... five years ago, nobody would have given a shit about this film. Now, people are tired of the machine, they are tired of running around a spinning wheel in a circus where the mouse is running. The stress has reached a level that makes us unhappy, and all the yoga in the world cannot help.
Edukators
Dir: Hans Weingartner, Germany, 2004, 126 min, German with subtitlesCast: Daniel Brühl, Julia Jentsch, Stipe Erceg, Burghart KlaußnerNot, as the name would suggest, a west coast rap crew currently on tour with Outkast and Ludacris, The Edukators is a German film about three would-be political agitators and a stunt that goes wrong.Jan (Brühl) and Peter (Erceg) are two disaffected youths who spend their days campaigning against sweatshops and social injustice. But at night they enjoy nothing more than to stake out and break into the homes of ostentatiously wealthy urbanites, rearranging their furniture, and leaving enigmatic notes telling their victims, 'Your days of plenty are numbered,' signing themselves 'The Edukators'.Before long they are joined by Peter's girlfriend Jule (Jentsch), a waitress crippled by debt following an uninsured car accident. But when Jule goads Jan into entering the house of her creditor, their pranks quickly spiral out of control, leading to an assault, a kidnap, and maybe worse.Director Hans Weingartner's film starts out looking rather like Fight Club-lite. The Project Mayhem-esque japes are clever and entertaining, and it is these that give most of the entertainment value in the first half hour. However, Jan and Peter's characters are for the most part sketched in lightly, and much of the dialogue is simply anti-globalisation rhetoric that sounds like 'Rage Against The Machine' lyrics written out longhand. It is only following the kidnap of the wealthy and reptilian businessman Hardenberg (Klaußner) that the stakes are raised and the tension truly develops.Unfortunately the story then resorts to a rather predictable love triangle that would be more at home on Hollyoaks. Where the film succeeds in its latter sections is in the character of Hardenburg himself - far more sophisticated and intriguing than his captors - and it is the interplay between the older man and the three younger players that sustains the audience's attention until the final scene.The videography at least is outstanding. The use of handheld Panasonic digital video cameras is loudly trumpeted in the closing credits, and while this gives the photography a fluid and improvised, Dogme-like feel, it is never at the cost of sumptuous imagery. Shot entirely in available light, the night-time scenes are cast in orange and blue hues reminiscent of last year's Collateral, while the daylight scenes are vivid and crisp and as clear as the mountain air they were recorded in.Ultimately the picture falls rather between several stools. Too ponderous to be a thriller, too small scale to be a political piece, too cold to be a love story. The ingredients for any of these are here, and were its 126 minutes compressed to 90 The Edukators might have had the focus to become an compelling story with a brain and a heart. Instead it feels like a talented cast and crew tentatively groping their way towards an interesting picture. An education for all involved, perhaps.
Jimmy Razor
Jimmy Razor
ideologia, eu quero uma pra viver
REIS DO ATRASO
Elio Gaspari
Folha de São Paulo, 04/02/2007
As operadoras de telefonia fixa estão nos tribunais para impedir a expansão da oferta de serviços de conexão sem fio para a internet. É o Wi-Fi. Os doutores da Telemar, da Telefônica e da Brasil Telecom merecem o prêmio George Selde. Ele era um lobista americano e agrupou os fabricantes de "carruagens sem cavalos" para tirar do mercado um veículo vendido por US$ 825, metade do preço dos similares. Os magnatas do cartel da Associação de Fabricantes de Automóveis sustentavam que Henry Ford não tinha licença para fazer carros.
Elio Gaspari
Folha de São Paulo, 04/02/2007
As operadoras de telefonia fixa estão nos tribunais para impedir a expansão da oferta de serviços de conexão sem fio para a internet. É o Wi-Fi. Os doutores da Telemar, da Telefônica e da Brasil Telecom merecem o prêmio George Selde. Ele era um lobista americano e agrupou os fabricantes de "carruagens sem cavalos" para tirar do mercado um veículo vendido por US$ 825, metade do preço dos similares. Os magnatas do cartel da Associação de Fabricantes de Automóveis sustentavam que Henry Ford não tinha licença para fazer carros.
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